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quinta-feira, dezembro 19, 2024

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Cafeicultura da Amazônia recebe primeira Denominação de Origem para cafés canéforas sustentáveis do mundo

Indicação Geográfica Matas de Rondônia para Robustas Amazônicos reconhece e valoriza os cafés especiais desta região e traz nova oportunidade para a agricultura familiar na Amazônia.

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O dia 1º de junho de 2021 é um marco histórico para a cafeicultura da Amazônia e do mundo. Rondônia acaba de ter reconhecida a primeira Indicação Geográfica (IG), do tipo Denominação de Origem (DO), de café canéfora (robusta e conilon) sustentável do mundo. Este reconhecimento da IG Matas de Rondônia para Robustas Amazônicos do tipo Denominação de Origem foi concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI e consolida a qualidade dos cafés da espécie Coffea canephora.

A Indicação Geográfica serve para designar produtos ou serviços, que tem características positivas únicas e indissociáveis dos fatores que compõem a sua origem. Para produtos agrícolas, estes fatores também são conhecidos como “terroir”. Uma mistura que leva em consideração clima, solo, genética e aspectos culturais da população envolvida no processo produtivo. “O saber fazer é crucial na definição de uma IG. Afinal, o fator humano e sua capacidade de modificar o ambiente, selecionar materiais genéticos e manejar lavouras, não pode ser ignorado. Neste caso, se trata de uma interferência, quase sempre, positiva e este é o princípio da Indicação de Procedência (IP)”, afirma o pesquisador da Embrapa Rondônia, Enrique Alves. 

Ele explica que, no caso da Denominação de Origem, é um processo ainda mais complexo, pois, além do saber fazer e seus aspectos culturais, leva em consideração que, o café e suas qualidades intrínsecas, têm uma relação direta com as características do “terroir” da região. Para a Denominação de Origem Matas de Rondônia, esta delimitação é formada por 15 municípios: Alta Floresta d’Oeste, Cacoal, São Miguel do Guaporé, Nova Brasilândia d’Oeste, Ministro Andreazza, Alto Alegre dos Parecis, Novo Horizonte do Oeste, Seringueiras, Alvorada d’Oeste, Rolim de Moura, Espigão d’Oeste, Santa Luzia d’Oeste, Primavera de Rondônia, São Felipe d’Oeste e Castanheiras. 

Dada a complexidade e importância do processo de reconhecimento da cafeicultura da região Matas de Rondônia, coube à Embrapa documentar e justificar os aspectos que tornam o café e a região únicos e merecedores deste selo de origem. “Sabemos que a cafeicultura é formada de boas práticas agronômicas, história e ciência. Esse verdadeiro dossiê que subsidiou o pedido de reconhecimento retratou e documentou este conjunto de valores da cadeia de produção e transformação. Isso só foi possível graças a um trabalho de mais de quatro décadas que a Embrapa vem realizando, com a geração e transferência de soluções tecnológicas para a cafeicultura na Amazônia”, destaca o pesquisador.

A Indicação Geográfica pode ser uma ferramenta poderosa de valorização de um produto. Mas ela não tem a função de trazer notoriedade. A todos que desejam traçar o longo caminho de obtenção de um selo de IG, o pesquisador da Embrapa ressalta que é preciso responder algumas perguntas: o meu produto tem características únicas e qualidade especial? Como se diferencia dos seus pares? Existe uma relação de causa e efeito com fatores ambientais, genéticos e culturais? Tudo isso pode ser delimitado geograficamente? Outras pessoas, além de mim, reconhecem a notoriedade do que eu produzo? Se é possível responder estas questões sem titubear, mãos à obra! É preciso organizar os interessados e comprovar técnica e cientificamente a cada uma destas respostas.

Antes de mais nada, há uma regra primordial no que diz respeito às IGs e que, às vezes, passa desapercebido: por mais habilidosos e dedicados que os atores de uma cadeia produtiva sejam, não se pode criar uma IG! Este é um processo de reconhecimento e valorização, da qualidade de um produto e a sua origem. Outro equívoco comum é que não existe IG para produtos medíocres! Não se trata de uma ação solidária. É, antes de tudo, um selo que atesta a originalidade e a singularidade de um produto ou serviço.

Dito isto, se entende a complexidade e a importância de se obter um selo de origem de um produto agrícola. Após o reconhecimento da IG é preciso que toda a cadeia produtiva e de transformação trabalhe para aproveitar, ao máximo, seus benefícios e conquistar novos mercados que valorizem a história por trás do produto. 

Na cafeicultura, as IGs não são exatamente uma novidade, existem casos de sucesso como o da Região do Cerrado de Minas que tem grãos com alto padrão de qualidade, mundialmente reconhecidos. Possui grande organização da cadeia e emprega tecnologias de ponta que tornam a cafeicultura dessa região eficiente e sustentável. Mas, apesar dos avanços, o Brasil ainda não é devidamente reconhecido pela diversidade e especialidades de suas regiões produtoras. Ainda é o país das commodities, sendo responsável por quase 40% do mercado mundial. Isso está para mudar, aos poucos estão aprendendo a valorizar e compreender que a singularidade da cafeicultura brasileira tem origem em sua pluralidade cultural, ambiental e genética. 

Nesse contexto, a cafeicultura na Amazônia é uma das mais emblemáticas do Brasil. De acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento – Conab (2021), o Estado de Rondônia é o quinto maior produtor de café do país e o segundo da espécie canéfora. Com uma produção superior a 2,2 milhões de sacas de café, é responsável por 97% de todo o café produzido no Norte do País. Incrustrada no interior do estado, a Região Matas de Rondônia é considerada o berço e a origem dos Robustas Amazônicos. 

Nem só de commodities é feita a cafeicultura da Amazônia. É, antes de tudo, a terra de cafés especiais, colhidos em plantas que se adaptaram às condições amazônicas, com características sensoriais distintas e que têm agradado especialistas e consumidores exigentes, no Brasil e no mundo. A combinação entre características sociais, ambientais e genéticas fizeram com que, nesta região, se encontrassem cafeicultores de base familiar, especializados na produção de cafés Robustas finos. São produtores tradicionais, homens, mulheres, indígenas, jovens, enfim, uma legião que trabalha diariamente para levar à mesa dos consumidores o que a cafeicultura amazônica tem de melhor. São grãos especiais que carregam, de forma intrínseca, a história, a preservação ambiental e a marca de sua gente.

A cafeicultura na Amazônia é o resultado de décadas de evolução, baseada em tecnologia, ciência e boas práticas agronômicas. Mérito dos cafeicultores, destemidos pioneiros, que passaram a manejar suas lavouras de forma mais eficiente e criteriosa. Alguns chegaram a selecionar os materiais genéticos que possuíam características favoráveis à produção e finalmente, qualidade. Atualmente, entre os clones lançados pela pesquisa e os selecionados pelos produtores, existem mais de uma centena que são cultivados nas lavouras Rondonienses e que começam a ganhar outros estados.

Documentário: Robustas Amazônicos – Aroma, sabor e histórias que vêm das Matas de Rondônia

Caracterização da Região de IG Matas de Rondônia

A cafeicultura é uma das principais atividades agrícolas geradoras de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS para o Estado de Rondônia, sendo realizada por 17.388 mil agricultores familiares, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Desses, 10.147 (58,4%) estão estabelecidos nos 15 municípios inseridos na região de abrangência da IG Matas de Rondônia. Considerando as 54.381 pessoas ocupadas na cafeicultura no estado, 29.630 (54,5%) estão na nessa região. 

Esta IG possui um dos mais expressivos parques cafeeiros do país.  Têm grande importância econômica e social, com cerca de 17% da população agrícola do estado. Detém mais de 60% das áreas de lavouras de café e gera 83% da produção de Rondônia. A relação dessa região com a atividade agropecuária é forte e em alguns municípios, como é o caso de Alto Alegre dos Parecis, 56% da população está ocupada nessa atividade, que é responsável por mais de 50% do Produto Interno Bruto (PIB) do município. É importante salientar que, mesmo para os municípios menos dependentes da atividade agropecuária, a vida econômica, cultural e social está vinculada à agricultura. Em resumo, todo o trabalho desenvolvido nessa região tem um impacto na vida de mais de 300 mil pessoas.

As lavouras em todo o estado são conduzidas em módulos familiares de pequena escala, com média de quatro hectares plantados. A base de toda a mão de obra é familiar e, o processo de colheita é manual.  A exceção fica para um pequeno grupo de produtores, que possuem equipamentos para a colheita semimecanizada. Com relação à prática de irrigação, o percentual médio de lavouras irrigadas é maior no conjunto dos municípios situados no âmbito da região proposta para a IG (59,1%), a média do estado é de 50,9%.

Além de originarem bebidas excelentes, os Robustas Amazônicos são plantas vigorosas e produtivas. São conduzidas em multicaules e têm um sistema de poda programada que mantem as lavouras renovadas e diminui o efeito da bianualidade da produção. Os cafés Robustas são plantas alógamas, ou seja, possuem a necessidade da fecundação cruzada, e, por isso os cafeicultores cultivam linhas intercaladas de seis ou mais clones. Cada um desses clones possui a sua característica de porte, produção, tamanho de frutos e ciclo de maturação. São materiais genéticos extremamente responsivos aos tratos culturais, e, em lavouras bem cuidadas, não raro, ultrapassam 150 sacas por hectare. Os arranjos espaciais das lavouras variam bastante, os mais comuns de 0,70 a 1,50 m entre plantas e 2,50 a 3,50 m entre linhas de plantio. O número de hastes produtivas por hectare varia de 8 a 12 mil.

O clima da Região da IG Matas de Rondônia caracteriza-se por apresentar uma pequena variação espacial e temporal da temperatura média do ar no decorrer do ano. O mesmo não ocorre em relação à pluviosidade, que apresenta variações consideráveis. A temperatura média anual entre 23,2 °C e 26,0 °C encontra-se dentro da faixa apta para o cultivo de Coffea canephora. A precipitação média anual varia de 1.340 mm e 2.340 mm, com média de 1.900 mm. São duas estações bem definidas: a chuvosa, de outubro a abril, em que se concentra quase 90% da precipitação anual, e a estação seca, com chuvas escassas, entre os meses de junho e agosto, com precipitação mensal inferior a 50 mm. Os meses de maio e setembro são de transição. 

As terras aptas ao cultivo do café na Região das Matas de Rondônia incluem àquelas com solos profundos, bem drenados, com boa capacidade de armazenamento de água e situados em paisagem de relevo de baixa a média declividade, facilitando a adoção de mecanização. A altitude média dos municípios que compõem a região varia de 180 a 400 metros. De forma geral, estão associadas aos solos da ordem dos Latossolos, Argissolos e Nitossolos, sendo os Argissolos predominantes. 

Os cafeicultores rondonienses e, principalmente da região da IG Matas de Rondônia, aprenderam a valorizar o fruto do seu trabalho e colheitas cuidadosas, com secagem lenta têm feito a grande diferença. Há ainda os que têm investido em técnicas de processamento via úmida e processos fermentativos (anaeróbicos) diversos. Tudo isso, tem feito com que os Robustas Amazônicos sejam considerados um dos cafés mais exóticos e interessantes do Brasil. O conjunto de características desses cafés, sua origem Amazônica e a busca por uma produção com base na qualidade e sustentabilidade, tem tudo para transformar estes cafés nos componentes principais de bebidas finas brasileiras, puro ou na forma de blends especiais.

De acordo com o pesquisador Enrique Alves, os Robustas Amazônicos têm sabores e aromas agradáveis, possuem doçura e acidez suaves, corpo aveludado e retrogosto marcante. São cafés que têm em sua bebida características que lembram caramelo, castanhas, chocolates, frutas secas e nibs de cacau. Outras características, que diferenciam os cafés amazônicos dos seus pares em outras regiões são a peneira média alta (normalmente superior a 16) e percentagem de cafeína mais baixa que o conilon padrão (varia de 1,4 a 1,8). Quando submetido a processos diversos de fermentação positiva, podem agregar maior acidez à bebida, deixando-a ainda mais leve e equilibrada. Com isso, se aumenta o número de nuances à paleta sensorial, tornando comum a presença de descritores como: frutas cítricas, compotas, vinhos, amarulas e licores.

Desafios

Apesar de toda essa evolução de produção e qualidade, a cadeia produtiva ainda precisa romper barreiras como uma logística “perversa” para escoamento dos cafés especiais, a necessidade de uma produção de maior escala e aumentar o número de produtores que se dedicam a produção com excelência. “Também existem barreiras psicológicas a serem suplantadas pelos produtores de Robustas Amazônicos. São ideologias e conceitos equivocados, sem fundamentos científicos ou estatísticos, que costumam se destacar mais que as castanheiras em meio à floresta”, aponta Alves.

A primeira delas é a definição arcaica de que cafés canéfora, variedades botânicas robusta e conilon, são de qualidade inferior e só têm importância como matéria prima barata para a indústria de solúveis ou “blends”. Os cafés da espécie canéfora sofrem com a má fama, adquirida por mais de um século de manejo de pós-colheita inadequado. Entre elas estão a colheita de frutos verdes, demora em iniciar o processo de secagem, fermentação negativa dos frutos, uso de secadores de fogo direto e temperatura quase dez vezes superior à ideal (35°C). São apenas alguns dos fatores que deram à bebida do café canéfora características indesejáveis. Os adjetivos mais comuns para as bebidas originadas desse processo equivocado são: amargo, cereal, adstringente, neutro, insosso, sem graça e pesado. Felizmente, pelo menos para os Robustas Amazônicos, que recebem o selo de Indicação Geográfica, estes adjetivos negativos não têm mais pertencimento. 

É uma espécie de consenso, dentre as lideranças da cadeia produtiva, que o número de famílias de cafeicultores que se dedicam a produzir cafés especiais na Amazônia, atualmente, não seja superior a 10%. Mas, se observa um movimento crescente pela qualidade na cafeicultura. Isso não apenas tem gerado cafés especiais e premiados, como também tem elevado o patamar de qualidade dos grãos tipo commodity. A qualidade física dos cafés comercializados, a cada safra, apresenta menor número de defeitos e, consequentemente, melhores características sensoriais. Esse resultado positivo é fruto de uma maior profissionalização da cadeia produtiva em função de uma campanha de transferência de tecnologia promovida pela pesquisa e entidades de extensão rural.

Os Robustas Amazônicos produzidos na região Matas de Rondônia são cafés ideais para quem gosta de uma bebida doce e equilibrada, mas não abre mão de um corpo aveludado e retrogosto marcante. São cafés que agregam sabor, aroma, histórias e muita evolução tecnológica, social e ambiental.

Vencida a barreira da má fama sensorial, um desafio ainda maior é demonstrar que os cafés produzidos na Amazônia são sustentáveis e não têm vínculo com a degradação ambiental e exploração de recursos não renováveis. “Existem maus exemplos de uma agricultura atrasada e predatória em diversas regiões na Amazônia, principalmente em fronteiras agrícolas. Mas, colocar a cafeicultura nessa categoria é injusto, equivocado e uma generalização pouco inteligente”, comenta o pesquisador da Embrapa.

As áreas cultivadas com o café estão estabelecidas há décadas e, a cada dia que passa, se mostram com maior capacidade de suporte ao desenvolvimento das lavouras. Isso, graças aos cafeicultores que adicionam novos processos e tecnologias ao cotidiano no campo. O conceito de Agro/Sustentável se torna cada vez mais popular entre os produtores.  Além disso, a cafeicultura é formada por uma agricultura familiar de pequena escala. Esse modelo produtivo, quando incorporadas boas práticas agronômicas, tem se mostrado eficiente para garantir a qualidade de vida e desenvolvimento no campo. “Produtores felizes preservam a floresta e trabalham para manter a capacidade produtiva das suas áreas. Isso significa que não precisam se dedicar a atividades ambientalmente predatórias e até ilegais para garantir o seu sustento”, conclui Alves.

(Fonte: Renata Silva – Embrapa Rondônia)

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