A Amazônia brasileira não será beneficiada pelo mercado de crédito de carbono definido no Protocolo de Quioto. Pelo menos não neste primeiro momento, já que ainda não são aceitos projetos para crédito baseado em desmatamento evitado, o que seria o grande trunfo em potencial da região na diminuição do efeito estufa. Apesar de ser, no atual estágio, insuficientes para conter o agravamento da temperatura global, os créditos de carbono são considerados de grande importância para o mundo. Os resultados da primeira fase servirão para ajudar a convencer os países a concordar em diminuir as emissões futuras de gás-carbônico. Acompanhe abaixo entrevista sobre o assunto com o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Philip Fearnside, PhD em ecologia.
Amazônia a Vista – O que é crédito de carbono?
Philip Fearnside – Crédito de carbono é a contabilidade de quantas toneladas de carbono (o elemento que, em forma de gás-carbônico provoca o efeito estufa) foram retiradas ou mantidas fora da atmosfera. Sendo que países industrializados que assumiram compromissos sob o Protocolo de Quioto precisam limitar as suas emissões de gases de efeito estufa, ou por medidas domésticas (muitas das quais seriam caras se implementadas em grande escala) ou por compra de créditos de carbono de outros países, por exemplo, por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), criado pelo Protocolo de Quioto para possibilitar projetos em países como o Brasil. O crédito de carbono, portanto, vale dinheiro.
Amazônia a Vista – Qual o estágio deste mercado no Brasil. Está em vigor desde quando?
Philip Fearnside – O mercado de carbono está funcionando desde que o Protocolo de Quioto entrou em vigor, em fevereiro deste ano. A principal limitação para possíveis projetos na Amazônia brasileira é o fato que foi decidido em 2001 de que, para o primeiro “Período de Compromisso” (2008-2012), não seriam aceitos projetos para crédito baseado em desmatamento evitado, o que seria o grande trunfo em potencial da Amazônia na mitigação do efeito estufa. Existe uma proposta para contornar isto com uma abertura para permitir projetos iniciados agora de gerar crédito que seria válido no segundo período de compromisso (2013-2017). As negociações sobre o segundo período devem começar no final de novembro deste ano.
Amazônia a Vista – Como é o funcionamento deste crédito? Qual o benefício para o setor público?
Philip Fearnside – O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo já está funcionando. No Brasil, é o Ministério de Ciência e Tecnologia que é responsável pelo escritório nacional do MDL que aprova os projetos a serem entregues à sede internacional, que é subordinado a Convenção Quadro sobre Mudança do Clima, em Bonn, Alemanha. Por enquanto os projetos são para atividades como plantar árvores, capturar metano emitido por lixões e aumentar a eficiência do uso da energia (não para desmatamento evitado). Todos estas atividades são compatíveis com os objetivos do setor público, e obviamente ficam mais atraentes para o País quando custeados pelo dinheiro do carbono e não pelos contribuintes brasileiros.
Amazônia a Vista – E para as empresas privadas. Quantas delas, ou de que setor já estão sendo beneficiadas?
Philip Fearnside – Por enquanto está apenas iniciando. São empresas para reflorestamento (sobretudo para carvão vegetal para uso em siderurgia), empresas de energia e de aparelhos que usam energia, além de organizações não governamentais interessadas em recuperar a mata atlântica.
Amazônia a Vista – Quais os países que já estão negociando o crédito com o Brasil?
Philip Fearnside – Tem projetos em preparação pelo menos de grupos nos EUA e na França. Provavelmente existem outros também.
Amazônia a Vista – Quanto o mercado de crédito de carbono deve movimentar, em média, por ano no Brasil?
Philip Fearnside – Isto ainda é uma incógnita. O MDL em geral, ao nível internacional, tem tido um começo lento com a sede internacional, não conseguindo aprovar projetos num ritmo suficiente para atender a demanda para crédito de carbono entre os países europeus. O resultado é uma explosão do preço do crédito de carbono, que já é tão alto que o custo de comprar o crédito de carbono para compensar uma nova usina termelétrica movida a carvão é maior do que o custo do próprio carvão queimado pela usina. Talvez o MDL possa conseguir se agilizar mais no futuro, aumentando o volume de crédito disponível. Obviamente, o preço representa um equilíbrio entre a oferta e a demanda e a quantidade que o Brasil consegue abocanhar depende da capacidade de propor projetos elegíveis.
Amazônia a Vista – O proprietário rural que manter suas matas, ao invés de fazer o desmatamento, poderá ser beneficiado com o crédito de carbono?
Philip Fearnside – Futuramente se espera que isto aconteça. Por enquanto, não há como fazer isto por meio do Protocolo de Quioto. Deve-se lembrar que existem também outros mercados de carbono, para países que têm impostos nacionais sobre emissões, para empresas nestes países ou que querem diminuir emissões como medida de propaganda e relações públicas, e para estados e cidades individuais (inclusive nos EUA, país do próprio George Bush que recusou a ratificar o Protocolo de Quioto em 2001).
Amazônia a Vista – Onde a Amazônia se encaixa neste processo. Quais as vantagens do crédito de carbono para a Amazônia Brasileira?
Philip Fearnside – A Amazônia brasileira tem uma grande vantagem para futuros programas de diminuição de desmatamento porque existe muita perda de floresta (e emissão) aqui hoje, e porque a quantidade de floresta ainda em pé é grande e portanto, a quantidade de desmatamento evitado poderia ser grande também. Também é muito importante que o grosso do desmatamento na Amazônia é para pastagem, que traz pouco benefício econômico e não é necessário para alimentar a população humana da região. Em outros países tropicais, onde a população passaria fome se não fosse desmatar, a oportunidade para diminuir o desmatamento é muito menor.
Amazônia a Vista – O meio ambiente e as camadas mais pobres da população serão beneficiados por esse mercado?
Philip Fearnside – Sim, mas poderia ter sido muito melhor neste sentido. O nível de conhecimento e investimento necessário para conseguir aprovar um projeto de MDL é tanto que indivíduos pobres dificilmente vão conseguir fazer, embora cooperativas deles e ONGs ligadas a eles poderiam vencer estas barreiras. O tipo de projeto também não ficou tão direcionado aos pobres como poderia ter sido. O artigo 12 do Protocolo de Quioto, que criou o MDL em 1997, exige que todos os projetos estejam contribuindo ao “desenvolvimento sustentável”. Isto foi visto na época como uma oportunidade para exigir que os projetos conformassem a padrões uniformes internacionais no que se refere à definição de “desenvolvimento sustentável”, assim barrando projetos com impactos negativos sociais e ambientais. No entanto, nas negociações posteriores ficou decidido que a definição de “desenvolvimento sustentável” ficaria a cargo de cada país, assim efetivamente anulando esta exigência sobre o MDL. Já que cada país decide sobre desenvolvimento sustentável, qualquer projeto entregue pelo escritório nacional do MDL para aprovação da sede da Convenção automaticamente tem a homologação de representar “desenvolvimento sustentável”.
Amazônia a Vista – O crédito não dará direito aos países desenvolvidos de continuar poluindo?
Philip Fearnside – O crédito dá ao país comprador o direito de emitir a quantidade correspondente de carbono. No entanto, desde que a contabilidade de carbono seja baseada na realidade, a quantidade de emissão evitada pelo projeto que gerou o crédito vai ser pelo menos igual (e geralmente maior) que a quantidade que o crédito permite ser emitido. Assim, leva a um ganho para o meio ambiente e uma diminuição global da emissão de gases de efeito estufa.
Amazônia a Vista – Quem é responsável pelo controle deste mercado?
Philip Fearnside – O mercado é supervisionado pela Convenção Quadro sobre Mudanças do Clima, da Organização das Nações Unidas (UN-FCCC).
Amazônia a Vista – Os créditos de carbono são mesmo eficazes na redução do efeito estufa?
Philip Fearnside – Os créditos de carbono na atual fase do Protocolo de Quioto são completamente insuficientes para conter o agravamento do efeito estufa. No entanto, precisa começar fazendo alguma coisa para combater as mudanças catastróficas no clima global que já estão começando a ficar evidentes. As experiências ganhas nesta primeira fase vão ser muito importantes para ajudar a convencer os países a concordarem em diminuir as emissões futuras de uma maneira mais drástica, para ter um efeito substancial sobre a temperatura global. Portanto, os projetos que gerem crédito de carbono hoje têm uma importância muito além do benefício imediato em termos de mitigar o efeito estufa.