Hoje é o aniversário do Estado de Rondônia
Dos estados brasileiros surgidos a partir da Constituição de 1946, Rondônia talvez seja caso único: a ida à condição de Território foi uma questão de estratégia de segurança nacional no governo Vargas, mas a passagem à condição de Estado deu-se mais em razão de uma ação de dentro para fora, como dizia o governador Humberto Guedes (1975/79) para quem, ao manter o Território na condição de elemento administrado de fora para dentro, a partir do Ministério do Interior, se estava reduzindo o potencial da região. Segundo Guedes, em entrevista ao jornal Alto Madeira em 1977, “Brasília tem de entender que isso aqui cresceu muito e não cabe mais nas condições de Território”.
Os então vereadores Cloter Mota e Amizael Silva, ambos em 1983 deputados constituintes, era uma situação difícil. “Território é um aborto constitucional”, resumia Cloter, enquanto Amizael, que foi relator das constituições estaduais de 1983 e 1989 entendia que “Governador de Território é como um funcionário do Ministério do Interior, de terceiro escalão”.
A passagem a Estado foi uma caminhada longa. Começou quando o diretor da ferrovia Madeira-Mamoré Aluízio Ferreira convenceu o presidente Getúlio Vargas, em 1940, a vir a Porto Velho para uma visita de três horas e que levou quase três dias, e quando saiu foi convencido de duas coisas, primeiro a criar a unidade. Segundo, que a capital fosse em Porto Velho (município amazonense) e não em Guajará-Mirim (Mato Grosso), decisão que desagradou lideranças da “Pérola do Mamoré” que já em 1937 pediam a Getúlio para criar um ente federativo na região, o que aconteceu em 1943, quando surge o Território do Guaporé.
Esron Menezes, presente a reuniões com Vargas, contava que na decisão de criar um ente federativo na região, mas com a capital em Porto Velho foi conseguida, além da exposição feita por Aluízio Ferreira, a opinião do governador do Acre, Epaminondas Martins que, perguntado sobre a questão da capital teria dito que fosse em Porto Velho (município amazonense) e não em Guajará-Mirim (Mato Grosso).
Mas o grande salto para o futuro começa mesmo na decisão do presidente Juscelino Kubistchek, preocupado com uma queixa do governador Manoel Fontenele, do Acre, e uma exposição desafiadora do governador Paulo Leal, de Rondônia, mandou construir uma rodovia ligando Brasília a Rio Branco. Em 1962 o deputado federal Aluízio Ferreira, que encerrava a carreira política, apresentou projeto de lei criando o Estado de Rondônia, mas àquela altura o Governo Federal estava envolvido, dentre outros problemas que o levaram à questão de 1964, com os gastos normais da Lei 4070 que criou o Estado do Acre.
A abertura da rodovia e outras providências, como a criação, pelo presidente Castelo Branco, do 5º BEC, além da decisão do Governo Federal de fazer do Incra o ente organizador da ocupação do solo rondoniense, fez com que o Território de Rondônia seria a porta de entrada natural, a partir da metade daquela década, para centenas de milhares de pessoas que vieram do centro/sul/sudeste em busca de oportunidades, a maioria delas conseguiu, mudando a atividade econômica local, saindo da centenária exploração de produtos naturais, como a borracha, a castanha e a poaia, para a agricultura de grande porte.
Ainda na década de 1960 estudantes e lideranças em Porto Velho criaram o Movimento Pró-Rondônia Estado. Como deputado federal em três mandatos Jerônimo Santana apresentou dois projetos de elevação a Estado, não aprovados pela Câmara sob diversas alegações, talvez especialmente por ser ele um deputado do PMDB e que, em 1981, quando da votação do projeto de criação do estado saiu do plenário supostamente por não concordar que no ano seguinte o novo Estado não elegesse o governador ou, então, porque o PMDB não concordava com o projeto.
Nessa caminhada rumo ao Estado é importante não esquecer a grande contribuição do Incra, com uma equipe comandada pelo capitão Sílvio Gonçalves de Faria, com apoio total do Governo Federal, permitindo que pequenas vilas (Vilhena, Pimenta Bueno, Ariquemes, Urupá/Presidente Pena/Vila Rondônia e, depois, Ji-Paraná) surgidas com a implantação da Linha Telegráfica Estratégica, 1907, serviço sob responsabilidade do Marechal Cândido Rondon, se expandissem e servissem de base para criação de outros núcleos que, mais tarde, também se tornariam municípios.
Com a posse do governador Humberto Guedes (1975/79), quando ele conseguiu serem criados os cinco, passando a sete, municípios e outros projetos de grande impacto, além da criação de uma estrutura necessária, do ponto de vista administrativo, para fazer a base maior, deixando para seu sucessor, Jorge Teixeira, um caminho mais aplainado para o projeto do Estado que, devido a questões políticas, o deputado Jerônimo Santana deixou de votar a favor, saindo da sessão de votação, talvez por orientação partidária.
A chegada de Teixeira, com a fama obtida pela criação do Centro de Instrução de Guerra na Selva e na estruturação urbana de Manaus, gerou grande expectativa. Houve até um caso folclórico, quando o governador Humberto Guedes, alegando n]ao conhecer pessoalmente seu sucessor, sugeriu que eu fosse com ele e indicasse, dentre os que sairiam do avião da Cruzeiro, qual era o Teixeira, daí aquela foto em que eu estou entre os dois, debaixo da asa do jato. Acabara de apresentar um para o outro.
Teixeira chegou anunciando que viera “com a missão de transformar o Território em Estado”, o que lhe valeu uma crítica, de corpo presente, quando visitou a Câmara Municipal e em seu discurso repetiu, como disse muitas outras vezes ter vindo com a missão de “transformar” Rondônia em estado, e foi rebatido na hora, pelo vereador Cloter Mota dizendo que “Quem transforma é mágico”.
Um dos pontos altos do novo governador foi fazer o morador do Território acreditar que o Estado era possível – havia muita resistência, especialmente de comerciantes alegando que teriam de pagar impostos. Governador do Território, ele foi confirmado no mesmo posto, no Estado criado a 22 de dezembro de 1981, um Estado que se criou por si mesmo, e a Lei 41/81 foi o que se pode chamar de “cereja do bolo”.
Estado criado a 22 de dezembro de 1981, até a posse de Teixeira, em 29 de dezembro, gerou um interregno de uma semana “quando não tivemos um governador efetivamente, porque o Teixeira naturalmente, com a extinção do Território, estava também sem função”, diz o historiador e escritor Anísio Goraieb, membro da Academia Rondoniense de Letras.
Anísio expõe sua opinião citando o Art. 26/LC 41/81: “Até a nomeação do Governador, a Administração do Território Federal de Rondônia será integralmente mantida, na sua estrutura, competência e vinculação ministerial, cabendo-lhe gerir, a partir da vigência desta Lei, o patrimônio do Estado”.
Anísio entende que não havia mais uma “administração do Território de Rondônia”, porque o ente criado por Getúlio Vargas em 1943 deixara de existir. “Mas, no meio daquela festa toda, quem estava preocupado com isso?”, ele questionou.
Como quando governador do Território, Teixeira continuou, até 6 de agosto de 1983, quando a Constituição estadual foi promulgada, a governar por decreto, criando a estrutura administrativa, o Poder Judiciário, o Tribunal de Contas, tudo conforme a LC 41. Mas, ao contrário do que há quem diga, ele não criou a Assembleia Legislativa, porque esse órgão estava previsto no artigo 3º da LC 41, e também não mandou construir a BR-364, como também já se ouviu por aqui.
A instalação do Estado, dia 4 de janeiro de 1982, foi marcada por alguns fatos interessantes, como o notório mau humor do ministro Ibrahim Abi-Ackel, da Justiça e representante do presidente João Figueiredo. Mas em seu discurso Ackel citou um fato interessante: como uma espécie de advertência, lembrou que “A certidão de batismo do Estado não é a Lei que o criou, mas a sua primeira Constituição”.
Em 1982 Teixeira seria confrontado com uma questão delicada. Durante a tramitação do projeto de criação do Estado , ele prometera ao deputado federal Antonio Morimoto, da bancada paulista da Arena e relator do projeto, uma das vagas, dentre os três candidatos do PDS ao Senado na eleição de 1982. Na hora de definir, Teixeira, conforme o advogado João Paulo, apesar dos protestos de Morimoto, teria lhe oferecido uma vaga como candidato, não a senador, mas a deputado estadual, alegando, conforme a mesma fonte, que, eleito, Morimoto seria presidente da Constituinte. Morimoto saiu da reunião para ir direto para a oposição. O problema das três vagas, ainda conforme João Paulo, é que uma estava comprometida com o advogado Odacir Soares. Outra como presidente regional do PDS Claudionor Roriz, e a última, por imposição do Incra, ao agrônomo Galvão Modesto. Os três foram eleitos.
A promulgação da primeira Constituição do Estado, dia 6 de agosto de 1983, um documento com inovações dentre as Cartas de outros estados, o fato mais importante, justamente o que gerou tanto mau humor de Teixeira, a autonomia administrativa e financeira dada ao Ministério, o que nos outros estados só aconteceria na Constituinte Federal de 1988. Em entrevista que me concedeu sobre esse fato, o então procurador geral do MP, Edson Jorge Badra lembrou um frase então atribuída ao presidente do Poder Judiciário Fouad Darwich Zacharias, para quem ao promotor seria necessário apenas o paletó e uma mesa – o assunto está no livro de minha autoria sobre os 25 anos do Ministério Público estadual.
Na véspera, 5 de agosto, conforme alguns deputados disseram àquela altura, havia um acordo para que Teixeira não criasse mais por decreto novos municípios, mas ele decidiu criar os de Rolim de Moura e Cerejeiras, aumentando ainda mais as críticas, inclusive de deputados ligados ao Governo e que pretendiam faturar politicamente caso a decisão tivesse por conta da Assembleia, cuja primeira sessão só aconteceria dia 9 de agosto.
As críticas dos deputados teriam levado Teixeira a não querer ir à cerimônia de promulgação da Constituição, feita pelo presidente da Assembleia, deputado José Bianco (depois várias vezes prefeito de Ji-Paraná, senador e governador). Para um militar, acostumado a cumprir horários, o governador chegou atrasado ao ginásio Cláudio Coutinho, comboiado pelos ministros Mário Andreazza (que, já ouvi falar, fora quem conseguiu convencer Teixeira a não faltar) e o ministro Abi Ackel, novamente representando o presidente João Figueiredo.
Teixeira cumpriu a “missão”. Mas ainda enfrentou outras situações difíceis, como quando, doente, requereu, em 1984, férias, merecidas, e por um período de quase dois meses, iniciando uma nova crise com o (agora) Poder Legislativo cujos membros queriam a aplicação da regra relativa ao ocupante do cargo de governador, quando se afastasse passaria o cargo ao vice, mas orientado por sua assessoria jurídica ele não concordou e coube ao presidente Figueiredo nomear um governador substituto, fazendo da professora Janilene Mello a primeira mulher, no país, a assumir um governo estadual.
Texto: Lúcio Albuquerque, repórter / Fotos: Esron Menezes, Rosinaldo Machado, Marcos Grutzmacher