Dois pesquisadores montaram um modelo matemático em Python, que prevê desastres para o coronavírus no Brasil caso não sejam tomadas medidas para conter a epidemia no país. Os autores desse feito são José Dias do Nascimento Júnior — professor e doutor em Astrofísica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e astrônomo associado ao Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics — e Wladimir Lyra, doutor da New Mexico State University.
Pelo mundo, pesquisadores de todas as áreas demonstram esforços para controlar e prever casos de coronavírus com o objetivo de auxiliar as pessoas nas decisões diante da pandemia que se alastra pela humanidade.
A ideia do modelo de predição da COVID-19
O estudo realizado pelos pesquisadores surgiu devido à pandemia do novo coronavírus (COVID-19), que está tomando o mundo e já chegou a mais de onze mil vítimas fatais no planeta.
José Dias do Nascimento Júnior explica que após o início do surto começou a pesquisar o assunto e as maneiras de contribuir e colaborar para diminuir a pandemia. “Assim que começaram aparecer as primeiras reações globais, comecei a me perguntar sobre as hipóteses dos modelos utilizados no estudo da propagação do vírus. Quais equações seriam válidas e sob quais aspectos. O novo surto demonstrava que iria fazer história, e eu já sabia de outras pesquisas, das limitações de algumas condições matemáticas utilizadas nos modelos. Foi aí que encontrei Wladimir Lyra em conversas da rede social”, conta Nascimento.
Lyra afirma que a ideia de ambos se complementam e, partir disso, as hipóteses evoluíram em um modelo para “matematizar” os casos de coronavírus já existentes e novos. “A ideia e o motivo da pesquisa se devem à presente pandemia do coronavírus, para compreender a dinâmica da propagação da infecção. Pela leitura de artigos científicos na área de Epidemiologia Matemática, deparei-me com o modelo SIR, que foi o primeiro a buscar ‘matematizar’ uma epidemia”, ele destaca.
O doutor da New Mexico State University explica que percebeu semelhanças entre as equações de modelos matemáticos de epidemias e as que ele estuda diariamente. Por isso, havia meios de resolvê-las e assim agregar conhecimento ao campo de estudo do corona. “Não é nada que já não tenha sido feito no campo de Epidemiologia, foi um projeto para eu aprender sobre o assunto”, ele afirmou.
A COVID-19 é provocada por uma família de vírus que gera infecções respiratórias e foi descoberta em 31 de dezembro de 2019 na China. No Brasil, de acordo com as secretarias estaduais de saúde, já são 413 casos confirmados, mais de 30% em relação ao último balanço divulgado pelo Ministério da Saúde em 17 de março. Nessa data, foram contabilizadas 291 pessoas infectadas pelo vírus, sendo registrada uma morte pela COVID-19 no estado de São Paulo.
Como funciona o modelo
Diante do caos da pandemia, Lyra explica que o estudo dele e de Nascimento “matematiza” a dinâmica da propagação de uma infecção e pode auxiliar no combate dela.
O trabalho considera que a população do país seja dividida em quatro categorias: suscetíveis, infectados, curados e mortos. Essas categorias interagem segundo regras preestabelecidas:
- Quando infectados e suscetíveis interagem, uma parcela é removida da categoria suscetíveis e colocada na categoria infectados.
- Parte dos infectados se curam em um dado intervalo de tempo. Estes são removidos da categoria infectados e colocados na categoria curados.
- Outra parte dos infectados morrem devido à doença. Estes são removidos da categoria infectados e colocados na categoria mortos.
- Os curados desenvolvem imunidade e, portanto, não são colocados de volta na categoria suscetível.
A última regra significa que curados e mortos também podem ser acrescentados juntos na mesma categoria, de “removidos” da pandemia. Isso resultou no nome do modelo: SIR (Suscetíveis-Infectados-Removidos). Essas regras são “matematizadas” e as equações, resolvidas para revelar a evolução da epidemia. Por exemplo, na regra A, a quantidade removida é proporcional ao número de pessoas infectadas e ao de suscetíveis.
A base de dados utilizada na pesquisa dos cientistas foi mantida e atualizada pelo Centro de Ciências de Sistemas e Engenharia (CSSE, em inglês) da Universidade de Johns Hopkins. Os dados são divididos em casos de infecção, remissão e fatalidades. A base de dados é atualizada frequentemente e contém detalhes como datas e distribuição geográfica.
A partir desses parâmetros foram calculadas as taxas que entraram no modelo. Os componentes do modelo aplicados à epidemia do coronavírus resultaram em um contágio muito rápido. Os dados da Itália mostram que 1 pessoa infectada passa o vírus a 3 ou 4 pessoas, em média, antes de se curar ou morrer pela infecção; com isso, o número de casos dobra a cada 4 dias.
Lyra explica que há apenas duas maneiras de finalizar essa epidemia. “A primeira é quando muitas pessoas foram infectadas e desenvolveram imunidade ao se curar. Quando isso acontece, não existem mais pessoas suscetíveis e, portanto, segundo a regra (A) do modelo, não há novas infecções possíveis. Obviamente esse caso é terrível, foi praticamente toda a população infectada em algum momento durante a epidemia, e o número de mortos pode ser assustador”, ele alerta.
O professor resume que “a segunda maneira de terminar a epidemia é quando a taxa de infecção é menor do que a taxa de remissão e, então, a epidemia é contida. A quarentena (ou vacina) funciona por diminuir a taxa de infecção. O tratamento funciona para aumentar a taxa de remissão. Sem tratamento ou vacina, temos apenas a quarentena como medida eficaz”.
A base de dados do CSSE consultada pelos cientistas durante a pesquisa apresenta informações de todos os países atingidos pela epidemia. Os principais utilizados no modelo foram: China, Coreia do Sul, Itália, Suécia, Estados Unidos e Brasil.
O modelo alerta para até 2 milhões de mortes no Brasil no pior cenário previsto
O modelo dos pesquisadores quando aplicado ao estado de epidemia no Brasil mostra que cada pessoa infectada está, em média, infectando 6 pessoas. A partir dessa taxa, o número de casos dobra entre 2 e 3 dias. Lyra anuncia que “se continuar dessa maneira, sem fazermos nada, a epidemia terá seu pico daqui a 50 dias, no começo de maio, com 53% da população infectada ao mesmo tempo. Isso significa mais de 100 milhões de casos. Os hospitais não têm capacidade de lidar com esse número. E, ao final da epidemia, teríamos 2 milhões de mortos”.
O modelo apresentado pelos pesquisadores gerou dois gráficos que resultam na quantidade de mortos no Brasil nos próximos meses e evidenciam um quadro assustador para a população brasileira. Esse pior cenário representa a condição na qual as restrições sociais não são seguidas.
Gráfico da predição total de números de mortos no Brasil = 2.009.177
O modelo foi rodado em 16 de março de 2020, e os cientistas identificaram que a primeira morte pelo coronavírus ocorreria dentro de 5 dias. “Ontem (16 de março), uma previsão do modelo foi que a primeira morte no Brasil ocorreria em algum momento nos próximos 5 dias. Quando acordei de manhã no dia 17 e fui ler as notícias, tínhamos o primeiro caso fatal”, confirmou Lyra.
Os cientistas alertam que se não foram tomadas medidas de prevenção, e se a população não praticar o distanciamento social, os resultados do modelo vão se concretizar. “Sem tratamento ou vacina, a única forma dessa epidemia parar naturalmente é ela correr seu curso, infectando centenas de milhões e matando milhões de pessoas. O modelo prevê 2 milhões de mortos no Brasil se não fizermos nada. Para evitar isso, a população tem que parar de sair de casa, praticar distanciamento social. Apenas isso vai evitar o contágio”, argumenta Lyra.
Lyra ainda destaca que o distanciamento social não evita o estado final da epidemia, mas atrasa de forma que o sistema de saúde não sobrecarregue até o desenvolvimento de um tratamento ou vacina. “Uma vez retornada a vida cotidiana a epidemia vai correr de novo, mas o atraso que o distanciamento social proporciona é fundamental pra dar tempo para o sistema de saúde não se sobrecarregar com muitos casos ao mesmo tempo e também, esperamos, para dar tempo de desenvolver tratamento ou vacina”, explica Lyra.
Os pesquisadores destacam a importância de todas as áreas olharem a pandemia e realizarem esforços para criar maneiras e caminhos que evitem ou ajudem o mundo a conter os casos.
“Devo dizer que eu não sou epidemiólogo, sou astrônomo e astrofísico especializado em matemática aplicada e modelos computacionais. Comecei esse projeto ao ler sobre modelos matemáticos de evolução de epidemias e ver que as equações eram bem parecidas com outras com as quais trabalho todo dia. Tinha, portanto, as ferramentas para resolvê-las em um modelo simplificado”, alega Lyra.
O professor José Dias do Nascimento Júnior demonstra que, no momento atual da população, a ciência é globalizada, e qualquer parâmetro científico não pode ser tratado como algo simples e excluído na hora de tomar decisões para conter a epidemia.
“Estamos passando por um período cíclico de problemas. Isso vai do aquecimento global a grandes epidemias. Estamos hoje fazendo uma ciência globalizada, na qual parâmetros não podem ser tratados como sistemas simples. O próprio planeta em que vivemos e sua população humana são completamentes conectados a um grande sistema complexo”, afirma Nascimento.
As epidemias foram encontradas em diversos momentos da humanidade, mas segundo ele ainda não há um modelo físico completo e totalmente eficiente para auxiliar nas decisões de maneira rápida e eficaz. “Durante nossa história, encontramos repetidamente grandes epidemias, como a Peste (Peste Negra) no século 14, a Gripe Espanhola em 1918 e, mais recentemente, a Gripe Suína em 2009. Apesar de todas essas epidemias afetarem severamente a população global, ainda não temos um modelo físico eficiente que nos ajude a tomar decisões certas em pequeno espaço de tempo”, confirma Nascimento.
Conforme esse pesquisador, os estudos analíticos de dados podem auxiliar em aspectos diante de uma doença que se alastra rapidamente pelo mundo. As previsões baseadas em equações podem gerar decisões que irão melhorar as maneiras de lidar com o problema enfrentado.
“As abordagens analíticas para estudar e modelar a natureza sistêmica da disseminação de uma doença infecciosa são um belo exemplo de como a ciência opera (modelo SIR). E, partir das previsões feitas com um punhado de equações simples, percebe-se o poder da ciência em revelar comportamentos futuros”, enfatiza Nascimento.
Ele ainda pondera a importância de políticas que incentivem a ciência a realizar o trabalho em momentos como o da pandemia do novo coronavírus. “Sem dúvida acredito que trabalhos como esse devem ser parte dos esforços colocados nas políticas de saúde pública. Apesar de muitas questões terem sido respondidas, muitas outras permanecem em aberto, porém a ciência é sempre a bússola necessária para a proteção nesses casos”, anuncia Nascimento.
Os resultados que os cientistas encontraram compõem um artigo científico, que será submetido para uma revista científica na área da Física.
(Fonte: Tecmundo).