Eram 17h34 de 15 de fevereiro quando Ana Beatriz Seraphim, 20, postou em seu perfil no Facebook um vídeo da forte chuva em Petrópolis, na região serrana do Rio, instantes antes de morrer com o filho Theo, de 10 meses, ao ser atingida pela enxurrada. Ao menos 183 pessoas morreram em decorrência dos deslizamentos e outras 85 seguem desaparecidas, segundo a Polícia Civil.
“Me formei sendo mãe aos 20 aninhos (…). Cá estou eu, linda e plena, formada com meu baby em meus braços mostrando para todos que tudo que eu fiz valeu a pena.”
Na ocasião, Emerson, irmão mais velho de Ana Beatriz —também morto na tragédia—, escreveu:
“Bia, eu fico feliz em ver como está se saindo muito bem com sua nova fase. Mesmo ainda nova, mas se mostrando capaz de enfrentar esse lado de saber administrar o lado mulher, mãe e também esse lado de total dedicação ao estudo.”
Padrinho do sobrinho Theo, Emerson, 30, exibia em suas redes sociais diversas fotos com o menino. A última delas foi publicada em 18 de janeiro, um mês antes da tragédia, com a legenda: “Assistindo Mundo Bita com o dindo!”. No registro, os dois estavam deitados na cama, e Theo olhava para o celular do tio.
Busca por desaparecidos: DNA e mãos na lama
Do alto aos pés dos morros e no IML (Instituto Médico-Legal), famílias continuam as buscas por parentes —110 pessoas são consideradas desaparecidas, de acordo com a Polícia Civil. Entre elas, há 17 crianças e adolescentes e 34 idosos.
Há corpos que chegam ao IML em estado avançado de decomposição, o que impossibilita o reconhecimento pelos meios mais comuns, como impressões digitais e reconhecimento facial. Isso leva a Polícia Civil a adotar o exame de DNA.
A previsão é de que, até o fim desta semana, todas as famílias com entes desaparecidos tenham seu material genético arquivado no programa que busca combinações. A polícia estima obter respostas até 60 dias após a coleta.
Moradores cavam lama com as próprias mãos
A esperança de dar um enterro digno aos familiares marcou a semana. No Morro da Oficina, homens cavaram a lama com as próprias mãos. Outros usavam ferramentas domésticas, como cordas e marretas.
Demorou três dias para que os bombeiros chegassem ao alto do morro. Com cães farejadores, somente no quarto dia de buscas.
Em entrevista à imprensa, o governador Cláudio Castro (PL) negou o baixo efetivo e disse que as equipes eram deslocadas com base em critérios técnicos. Porém, um documento interno do Corpo de Bombeiros obtido pelo UOL indica falta de material básico, como pás e galochas.
As pessoas que precisaram sair de suas casas por conta dos deslizamentos e não podem ser acolhidas por familiares estão sendo orientadas a se instalarem em pontos de apoio, como as escolas da cidade.
Tragédia superou 1988 e 2011
O temporal deixou a maior quantidade de vítimas da história do município, superando as tragédias de 1988 e 2011. A Defesa Civil faz a medição desde 1932. Em apenas três horas, choveu mais do que o previsto para todo o mês de fevereiro.
As fortes chuvas deixaram um cenário devastador: houve deslizamentos, enxurradas, casas destruídas, veículos levados pela correnteza e moradores buscando por familiares nos escombros em meio à lama.
Em 2011, na maior catástrofe climática do país, segundo o CPTEC (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos), 73 pessoas morreram em Petrópolis. Cidades vizinhas, como Nova Friburgo, foram mais afetadas pelas chuvas, que deixaram 918 mortes em toda a região serrana.
Já em 1988, foram 134 mortos após temporal em Petrópolis. A contagem era, até então, a pior já registrada pela prefeitura.
Desde 2017, a Prefeitura de Petrópolis sabia de 15 mil imóveis em risco, conforme mostrou reportagem do UOL. Mesmo com um relatório produzido há quatro anos, a administração reservou mais recursos para gastar com luzes de Natal e publicidade do que com contenção de encostas em 2021.
Créditos: UOL.