Autor: Moisés Selva Santiago (*)
Fora da igreja. Esta expressão resume a vida de quase 20 milhões de mulheres e homens no Brasil que deixaram o aprisco (numa linguagem pastoral). Alguém disse que se tal multidão se juntasse (quase igual à população de Minas Gerais) formaria a segunda maior denominação evangélica do país. Mas eles não querem se juntar justamente porque consideram a experiência de pertencerem a uma igreja um seriíssimo problema. Claro que este tema desagrada os pastores cujos olhos esbugalhados veem multidões saindo pela porta dos fundos dos templos – mas também preocupa os padres, para quem não é novidade a diminuição da quantidade de paroquianos. Será que os desigrejados são infiéis, ou procuram uma alternativa para exercer a fé?
Um passeio pela história mostra centenas de pessoas que optaram por abandonar os templos, desde a época de Jesus, cujos discípulos pouco a pouco deixaram de ir às sinagogas, por diferentes razões. Em dois milênios de cristianismo, por todos os continentes os desviados (outro termo pastoral) ora caminharam sozinhos, ora se juntaram em comunidades celeremente rotuladas de hereges pelas autoridades eclesiásticas de plantão. Hoje, na ideia de Nelson Bomilcar, didaticamente eles podem ser classificados como os convictos (não querem fazer parte de nenhuma igreja); os decepcionados (mantêm distância respeitosa da igreja e evitam criticar); os informais (se reúnem para adorar, mas sem estrutura e organização); os fiéis on-line (acompanham pastores e pastoras pela internet); e os nulos (estão na igreja mas é como se não estivessem lá – parece que esse grupo sempre existiu!). Talvez haja outro segmento: os resistentes, que continuam na igreja, mas secretamente discordam da atual vida eclesiástica, esperando que um dia tudo melhore.
As explicações para os desigrejados são muitas. Envolvem Teologia, Sociologia, Psicologia, Direito e Política – entre outras áreas que acompanham o fenômeno. As decepções teológicas se somam às desilusões interpessoais e sociais, acrescidas de prejuízos legais (escândalos com o dinheiro ofertado) e do excrementável uso do nome de Deus nos palanques eleitorais e governos – no Brasil constitucionalmente laico. Se pudéssemos ouvir os desigrejados, provavelmente eles diriam: não queremos cultos ora absurdamente insípidos e repetitivos, ora energeticamente dançantes e emocionalmente autoajudadores; não suportamos mais ouvir mensagens superficialmente teológicas, preguiçosamente preparadas, asquerosamente eleitoreiras, esvaziadas de Deus e repletas de erros de linguagem; nós preferimos não ter os recursos tecnológicos de som, imagem, palco e mídia que fazem do culto um espetáculo, para termos, sim, no culto, a presença poderosa do Espírito que pela exposição da Bíblia desafia os acomodados e conforta os aflitos; e entendemos que a missão da igreja definitivamente não é se aliar a partidos políticos, enriquecer pastores, esquecer os excluídos da sociedade, apregoar preconceitos e intransigências – como uma entidade que serve mais aos interesses passageiros de governos do que ao eterno Reino de Deus.
Quem sabe alguém considere que os desigrejados já estão a caminho do quinto dos infernos – como era chamado o imposto pago no Brasil colônia. Mas o fato é que há um preço a ser pago, tanto pelos que permanecem na igreja quanto pelos que estão fora dela. Para os de dentro – assim como aconteceu em diferentes momentos da história – cabe a busca da iluminação contra o obscurantismo que enfraquece os púlpitos e a igreja. Um púlpito forte significa a exposição coerente, consistente e eficiente das Sagradas Escrituras por meio do(a) líder religioso(a) que vive o que fala e participa pastoralmente da vida no aprisco. Para os de fora, o preço é outro: não deixar que o amor pela igreja se desvaneça em seus corações decepcionados, e sim intensificar as orações e encontrar rapidamente o momento certo para voltar ao convívio das demais ovelhas. Se dentro há inconvenientes estarrecedores e insuportáveis, fora do aprisco os perigos da acomodação e da pretensa autopreservação podem sufocar a fé, na fantasia de se estar trilhando um caminho do meio.
(*) Jornalista, pastor batista, professor e youtuber.