MONTEZUMA CRUZ

PORTO VELHO – Na hipótese da construção de uma ferrovia financiada pelo governo chinês ligando Rondônia à região andina da Bolívia e do Peru, quem seriam os imediatos fornecedores de aço? Não precisamos ir longe: aqui mesmo os grupos Gerdau e Castilho atenderiam as demandas mínimas. Podemos até arriscar uma previsão: a clientela atual do Sr. Eugênio Castilho (de Pimenta Bueno) seria preterida por longos meses pelo poderio chinês. Aliás, se for autorizado o governo chinês construiria praticamente sozinho tal ferrovia, uma vez que aquele país produz mais aço do que todos os demais fabricantes, juntos.

Só em 2021 os chineses fabricaram mais de 1 milhão de toneladas métricas de aço, representando 53% do aço mundial. Obviamente, investiria na América Latina, a fim de garantir importações mais frequentes.

Pelo que assistimos em documentários televisivos não teriam eles qualquer problema em importar de lá o aço necessário, ussando-o sob comandos da robótica em vagões e no assentamento de trilhos.

Há décadas a China importa ferro da Serra de Carajás, no Pará, bom lembrar. E de Rondônia compra carne e soja.

Aquela “ameaça comunista” virou papagaice nas campanhas eleitorais de 2018 e 2022. As pessoas repetiam mensagens em Waths App ignorando informações precisas e preciosas nas relações econômicas entre o Brasil e a China. Uma leitura dos fatos desde Ernesto Geisel permite saber mais da realidade. Em 1977, o general presidente propunha acordos com aquele país, mesmo atacado pelo colega de farda Sílvio Frota, que pretendia derrubá-lo e terminou sendo exonerado do Ministério do Exército.

Quando visitou a China, o ex-senador Valdir Raupp ouviu essa possibilidade: “Se tivermos a ferrovia, eles podem enviar de 2 mil engenheiros para abrir todos os trechos”, ele dizia numa reunião na sede da Federação das Indústrias de Rondônia.

Faço essa conjectura a respeito da pergunta: o que Rondônia tem a ganhar com a reaproximação Brasil-China, ora protagonizada por uma comitiva composta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros duzentos convidados.

Quando repórter na Superintendência de Comunicação do Governo de Rondônia, cobri a visita de dois empresários chineses ao Palácio Rio Madeira. Recebidos pelo vice-governador José Salazar, Zé Jodan, eles protagonizaram um breve e esclarecedor diálogo:

– Quanto querem de soja? – perguntava Zé Jodan.

– Tudo – respondiam sem piscar os dois empresários.

Risos e desculpas: o vice-governador explicava que o estado também tinha outros clientes. “Problema deles”, deve ter se passado na cabeça dos visitantes. Na verdade, carne e soja rondonienses já embarcaram centenas de vezes para aquele continente.

Duas missões da Câmara de Comércio Brasil-China aconteceram em Porto Velho, levando ao palácio o líder dos negócios na organização, empresário Charles Andrew Tang, e de certa forma serviu para pôr Rondônia no mapa dos grandes negócios com o maior tigre asiático.

Trem de carga chinês

 

Em 2018, Tang surpreendia o empresariado presente no auditório Jerônimo Santana, na sede do governo: “A China não é mais uma ameaça, mas uma oportunidade.”

Ele pedia a organização de uma missão do Governo de Rondônia à China. Na presidência de Jair Bolsonaro, isso não passou de um sonho. E agora o Brasil embarca outra vez, para não perder o bonde da história.

“A China depende muito do Brasil, dos Estados Unidos, da Austrália e de outros países para garantir a segurança alimentícia”, admitia com eloquência Tang naquela ocasião.

Em dezembro de 2021, informava a BBC Brasil: “Com 1,3 bilhão de habitantes, a China começou o novo milênio dona de um PIB (Produto Interno Bruto) de US$ 1,2 trilhão. Vinte anos depois, ele batia os US$ 15 trilhões, o segundo maior do planeta, com analistas projetando que na década seguinte o país superaria os Estados Unidos como a maior economia do mundo. Em 20 anos, nenhum país cresceu e se transformou tanto como a República Popular da China.”

A China hoje: seu Produto Interno Bruto (PIB) soma US$ 18 trilhões e cresceu 6,4% ano passado, mais do que o dobro da expansão brasileira (2,9%). O PIB brasileiro é praticamente um décimo do chinês, equivalente a US$ 1,9 trilhão. Enquanto a taxa de investimento brasileira como proporção do PIB variou de 16,4% a 18,2% trimestralmente entre 2020 e 2022, o mesmo indicador chinês gira na casa dos 40%, mais precisamente 42% em 2022.

A China é vital para a economia brasileira, apesar de algumas dificuldades nossas na definição de estratégia sustentável com o parceiro asiático.

Abril de 2023: informa a agência noticiosa Deutsche Brasil (DW): “Exportações brasileiras poderiam focar nichos em que país ainda não atua e visar mais projetos conjuntos de tecnologia. O Brasil precisa ser pragmático e sofisticar a relação econômica com a China do ponto de vista comercial e de investimentos.”

Essa análise é feita por especialistas que acompanham de perto essa relação bilateral. Segundo eles, será necessário equilibrar o balanço de oportunidades e riscos nos acordos com o parceiro asiático, que já compra 27% de tudo o que o Brasil exporta.

Impressionante?  Tem mais: a China, conforme a DW, respondeu por quase metade do superávit comercial de US$ 62,3 bilhões em 2022 e tem estoque de capital investido no país de US$ 70 bilhões (2007 a 2021), em variados setores.

A respeito disso, o empresário Charles Tang já falara a respeito para a plateia estática que o ouviu durante mais de uma hora no auditório do Palácio Rio Madeira.

No auditório Jerônimo Santana, público assiste a uma das palestras de Charles Tang, emissário chinês

 

Demonstrava a razão do interesse em “comprar toda a soja produzida em Rondônia”, e até mesmo outras commodities

Lembro-me que, quase meio século atrás, japoneses foram plantar arroz no Cerrado goiano. Alguma lembrança do Projeto Jica? Consultem a história, por favor.

Hoje na China há mais de 1 bilhão de bocas e estômagos para alimentar.

A renda aumenta nos países asiáticos, China inclusa, que impulsiona a demanda por commodities alimentares. Ainda conforme a DW: surgem nichos de mercado em que o Brasil não atua e que podem ser atendidos por exportadores brasileiros, em razão da expansão da classe média chinesa.

Charles Tang e o governador Marcos Rocha, na terceira vinda dele a Rondônia

 

E agora, investimentos. Existe potencial dependência do mercado chinês para as exportações brasileiras. Nesse aspecto, o Brasil poderia diversificar suas exportações.

Diz a DW: “O patamar da concentração das exportações para a China supera a de todos os principais parceiros do Brasil, segundo estudo conjunto do CEBC, Ipea e Cepal (Comissão Econômica para a América Latina). Essa concentração só fez crescer entre 2012 e 2021: os dez principais produtos respondem por 90% do que foi exportado para o país asiático no período.”

O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marco Aurélio Mendonça avalia que investimento focado em infraestrutura é uma possibilidade para o Brasil – e provavelmente a China teria interesse. Daí, o trem, sempre lembrado.

Entre os acordos com os chineses, grãos fazem parte da pauta. Mais adiante, se tudo correr bem, seria possível “ressuscitar” o projeto do trem, que está diretamente ligado à soberania brasileira e só seria construído com aval do Senado Federal.

Rondônia realmente teria essa sorte, ou merecimento.

Uma viagem dessa, do presidente Lula e sua vasta comitiva política, técnica e empresarial, não pode ser desperdiçada.
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Fotos: Agência Xinhua e Secom

(Montezuma Cruz – Fontre: Expressão Rondônia)