O rapper americano Lil Nas X estava preso no trânsito de São Paulo, antes de um show na cidade em 2023, quando sacou o celular e tirou a foto.
“Por que o Brasil tem esses hamsters gigantes do lado de fora? Estou gritando”, publicou em inglês para milhões de seguidores, muitos já apaixonados ou fascinados pelos bichos. Eram capivaras.
Na Rússia, um jovem desenvolvedor de jogos com insônia abriu o computador e resolveu compor uma música em homenagem a um simpático personagem do seu game: também era uma capivara.
A música Capybara virou trend global no TikTok — quando passou a ser reproduzida desenfreadamente acompanhada de memes e dancinhas.
Esses exemplos recentes ilustram o novo patamar que estes animais conquistaram enquanto fenômeno nas redes sociais.
Nativas da América do Sul, com exceção do Chile, as capivaras são os maiores roedores do mundo.
O temperamento “calmo”, o olhar cativante e a adaptação a ambientes urbanos, próximo a humanos, criam uma relação afetiva cada vez mais íntima, explicam pessoas que trabalham diretamente com elas.
“Imagina um ratão enorme, com mais de 30 quilos e um olhar muito engraçado. Elas têm essa expressão blasé, como se não estivessem nem aí para você. Parte dessa conexão com humanos acho que vem desse olhar meio irônico, despreocupado, de boa”, explica o biólogo José Sabino, professor na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).
Isso ocorre mesmo que os animais possam ser considerados um “problema” em algumas regiões, devido à destruição de plantações ou por casos de doenças como a febre maculosa (leia mais abaixo).
“A gente posta uma coisa de cachorro, de gato, de aves, mas é quando a gente posta capivara que o engajamento das redes vai lá pra cima”, comenta Mariana Aidar, criadora do projeto Capa, uma ONG que atua com os animais que vivem nas margens do rio Pinheiros, em São Paulo. Na região, vivem 120 capivaras.
“Elas conquistam todo mundo com o carisma e simpatia.”
Ca-py-ba-ra
Um dos responsáveis pelo “fenômeno capivara” nas redes em 2023 certamente é Alexey Pluzhnikov, um jovem russo de 23 anos que desenvolve jogos.
Ele é o compositor da música que viralizou internacionalmente no ano passado, basicamente repetindo o nome do animal num ritmo engraçado.
A canção é trilha para mostrar sushis em forma de capivara, cenas com elas nadando ou simplesmente mastigando.
Pluzhnikov trabalhava no projeto de um jogo que tinha como personagem uma capivara.
“Eu fiz essa música em casa à noite, em 30 minutos, para a nossa comunidade, porque não conseguia dormir”, disse o compositor à BBC News Brasil.
Desde que a música viralizou, Pluzhnikov diz que recebeu dinheiro pelas reproduções e propagandas, sem especificar a quantia.
O jovem foi até convidado pelo zoológico de Moscou para participar de um evento junto ao espaço onde moram as capivaras na Rússia.
As imagens divulgadas nas redes mostram crianças empolgadas com a presença do autor da música: “Fico muito feliz que a música faça as pessoas rirem”, diz Pluzhnikov, que lamenta não ter podido passar a mão no pelo dos animais, mesmo tendo esse desejo.
Se morasse no Japão, porém, ele poderia realizar o sonho – algo que não é recomendado por especialistas. Em Tóquio, há ao menos dois cafés onde as pessoas podem interagir com capivaras.
Em meio a uma legislação flexível a respeito de animais exóticos e pets, no Japão há muitos exemplos dos chamados “cafés pets”, que são locais destinados à interação com gatos, cachorros e aves enquanto se toma café.
Yusuke Yoshida, de 36 anos, é dono de um deles, o Cafe Capyba, aberto em 2023. Lá, ele cria duas capivaras: Kohaku e Pisuke.
A ideia do espaço veio das visitas que o empresário fez a zoológicos onde também é possível interagir com o bicho sul-americano. “Queria passar mais tempo com elas e fazer com que mais pessoas soubessem como elas são fofas”, conta à BBC News Brasil.
“Eu adoro a forma do rosto das capivaras e sua natureza gentil. Elas gostam de ser acariciadas.”
Questionado sobre o bem-estar dos animais e a opinião de especialistas que argumentam que capivaras são animais silvestres, que devem estar em seu ambiente natural, Yoshida argumenta que “acredita na diversidade de opiniões”.
“Cada capivara tem diferentes origens e necessidades, e acho que o ambiente necessário a cada uma delas varia. Algumas podem precisar da companhia de humanos desde que nasceram, enquanto outras, não”, declarou
Yoshida também disse ter consultado veterinários para se informar sobre a dieta e outros aspectos das capivaras, além de conseguir uma licença da prefeitura para o funcionamento do café.
Em outras partes do mundo também se espalham homenagens, como um café cheio de pelúcias de capivara no Tennessee, nos Estados Unidos, ou uma instalação de capivaras no mercado Camden, um dos mais populares de Londres.
Um novo símbolo brasileiro?
Se no passado as capivaras eram vistas apenas como mais um animal da fauna do Brasil e de outros países da América do Sul, com as redes elas conquistaram fãs.
“Claramente, elas são vistas de outras formas. No passado, eram tidas como animais vetores de doenças. Mas hoje há uma relação muito mais afetiva”, opina o biólogo José Sabino, professor da UEMS e produtor audiovisual de conteúdo sobre natureza.
A doença a que ele se refere é principalmente a febre maculosa. As capivaras em si não transmitem a doença, mas são hospedeiras do carrapato estrela. Ao picar a capivara e, depois, picar o humano, a doença é transmitida.
Em 2023, um surto da doença chamou a atenção em Campinas (SP), onde cinco pessoas morreram.
Segundo dados do Ministério da Saúde , entre 2012 e 2022, foram notificados 2.209 casos e 753 mortes no Brasil. A prefeitura de Campinas chegou a anunciar que iria esterilizar os animais – o mesmo feito em cidades como Belo Horizonte.
Mas se o contato próximo com as capivaras pode levar a alguns problemas como esses, ele também é o responsável pelo olhar mais carinhoso da população sobre os bichos, diz Sabino.
Na própria cidade de Belo Horizonte, é fácil encontrar souvenirs com estampas de capivaras.
“Na natureza, ela está em equilíbrio, com predadores naturais como jacarés, onças. Agora, quando chegam aos ambientes em desequilíbrio, causados pelo homem nas cidades, elas não têm mais predador e vão ocupar parques lineares, rios, lagoas. E isso permitiu a aproximação das pessoas”, explica o biólogo, que vive em Campo Grande (MS), onde capivaras estão amplamente presentes nas áreas verdes.
Acostumadas à presença humana, as capivaras passam por um processo conhecido como “habituação”, em que já não nos encara, em geral, como ameaça.
“Você passa a dois metros de uma capivara dessas que vivem na cidade e ela não faz nada. E é essa capacidade de olhar o bicho de perto que cria essa relação”, explica Sabino.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto do Meio Ambiente do Distrito Federal sobre a percepção da população de Brasília sobre a presença de capivaras no Lago Paranoá apontou uma visão mais positiva do que negativa.
E outro trabalho realizado na Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais, mostra que elas são vistas muitas vezes como “animal carismático e inofensivo”.
Sabino vê inclusive um potencial turístico que o Brasil poderia ter com as capivaras, nos moldes que a Austrália tem com seus cangurus.
No Brasil, as capivaras podem ser encontradas em grande parte do território, com exceção de áreas do interior do Nordeste. “Isso facilita que ela seja enxergada como um animal nacional.”
O lado negativo – e como se comportar ao encontrar uma capivara
O sucesso digital das capivaras também leva a alguns abusos, facilmente encontrado nas redes.
Uma busca pela hashtag #capybara mostra situações em que crianças equilibram frutas na cabeça dos animais ou pessoas que os tratam como “pets”, usando coleiras e passeando no meio da rua.
“Infelizmente, tem muito conteúdo nas redes que estimula esse contato muito próximo. Inclusive, tem até biólogos que fazem isso de forma inaquedada, desrespeitando o comportamento natural desses animais”, avalia Sabino.
O biólogo ressalta ainda que esses animais não devem ser tocados, por serem silvestres. Caso se sintam ameaçadas, as capivaras podem morder com seus poderosos dentes.
A distância segura que deve ser mantida é de ao menos 3 metros – e nunca se deve encurralar o animal.
Em áreas de plantação, as capivaras também podem fazer estragos em colheitas, e, em rodovias, serem atropeladas e causar acidentes: “Mas os intrusos somos nós”, defende o biólogo. (BBC)