Papudiskina: Eleições 2026: a via-crúcis de um país que ainda enxerga 2022 pelo retrovisor

Daniel Oliveira da Paixão

O Brasil se aproxima de 2026 sem ter digerido 2022. A eleição que levou Lula de volta ao Planalto foi muito mais que uma disputa de urnas: foi marcada por decisões judiciais controversas, falas políticas de quem deveria ser imparcial e uma atuação midiática de ministros que corroeu a confiança em nossas instituições. Para milhões de brasileiros, Jair Bolsonaro não concorreu em igualdade de condições.

A frase do ministro Luís Roberto Barroso — o famoso “perdeu, mané” — sintetiza essa distorção. Longe de ser um deslize isolado, soou como deboche institucional de quem já tinha lado na disputa. É paradoxal: o mesmo tribunal que puniu Sérgio Moro por “parcialidade” e cassou Deltan Dallagnol por um PowerPoint “espetacularizado” nunca aplicou a si próprio o mesmo rigor, mesmo quando seus ministros se transformaram em celebridades midiáticas, opinando sobre política com a desenvoltura de militantes.

A incoerência se evidenciou também na guinada do STF sobre a Ficha Limpa. Em 2021, o Supremo anulou as condenações de Lula por questões processuais, contrariando precedentes e devolvendo-lhe a elegibilidade em plena pré-eleição. A letra da lei permaneceu a mesma; sua aplicação, não. O resultado foi considerado político: recolocou no jogo o principal adversário de Jair Bolsonaro.

O contraste se tornou ainda mais incômodo quando se observou a proximidade de alguns ministros com o atual presidente. Alexandre de Moraes e outros integrantes da Corte, implacáveis contra Bolsonaro e seus aliados, participam de jantares e reuniões com Lula, chefe do partido diretamente interessado na inelegibilidade do ex-presidente. Em qualquer democracia madura, a simples aparência de parcialidade já bastaria para afastar magistrados de julgamentos. No Brasil, normalizou-se que juízes que decidem o futuro político de um candidato confraternizem com seu maior adversário.

Enquanto isso, Alexandre de Moraes assumia protagonismo absoluto. Relator dos chamados “inquéritos do fim do mundo”, acumulou funções de investigador, acusador e julgador, em contradição com o princípio da imparcialidade. Sob sua caneta, o TSE impôs bloqueios de redes, multas milionárias e remoção sumária de conteúdos, criando um ambiente de censura prévia incompatível com a Constituição. Para opositores de Bolsonaro, a Justiça funcionava como escudo; para seus apoiadores, como espada.

O problema não se limitou ao período eleitoral. O tratamento dado aos réus do 8 de janeiro revelou um Judiciário disposto a usar penas como exemplo político. Embora não se possa defender depredação de patrimônio público, tampouco se pode ignorar a falta de proporcionalidade. Houve condenações pesadas, sem a devida individualização, tratando manifestantes desarmados — em muitos casos trabalhadores ou donas de casa — como se fossem terroristas organizados. O excesso punitivo não apenas agride princípios jurídicos básicos, como também alimenta a narrativa de perseguição seletiva.

Assim, a conduta do STF, do STJ e do TSE antes, durante e depois da eleição de 2022 ajudou a mobilizar massas inconformadas. Não se trata de endossar a baderna, mas de reconhecer que um processo conduzido sob suspeita de parcialidade e espetacularização cria as condições para a explosão social. Garantias constitucionais como devido processo, ampla defesa e isonomia foram relativizadas em nome da “defesa da democracia”. O resultado foi a consolidação de uma percepção: o árbitro não apenas apitou o jogo, mas também entrou em campo para decidir o placar.

A eleição de 2022 ficará registrada como aquela em que o direito se curvou à política. De um lado, um ex-presidente reabilitado contra todos os precedentes e hoje novamente no Planalto. Do outro, Bolsonaro sitiado por decisões judiciais, censuras e penas excessivas contra sua base. Embora não se possa provar fraude técnica nas urnas, é defensável acreditar em desnivelamento do campo de jogo — percepção suficiente para marcar 2022 como um ponto de inflexão na democracia brasileira.

Se quisermos que 2026 seja legítima, será preciso aprender a lição: juízes não são candidatos, não são comentaristas de TV, não são militantes. Democracia não se sustenta em vitórias jurídicas casuísticas nem em arbitragens parciais, mas em árbitros que compreendem que sua grandeza está na neutralidade, na discrição e no respeito às regras do jogo.

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