Porto Velho 70 mil habitantes. Guajará-Mirim em torno de 20 mil. Conforme o censo do IBGE, em 1960, rondava por aí a população do então Território Federal, que quatro anos antes deixara de ser “do Guaporé” para ser “de Rondônia”. Em 1964 é possível que a população já fosse um pouco maior, mas, oficialmente, o número é mesmo aquele, 90 mil almas.
O IBGE não computava os poucos moradores da faixa da BR-29 (364), tanto porque era uma população muito diluída nas imensidões dos imensos seringais, quanto porque as distâncias e dificuldades para chegar a eles eram muito difíceis e naquele ano a rodovia ainda estava sendo aberta. A região era ocupada por seringais, com baixíssima densidade geográfica, e o censo se resumia a quem morava na capital, em Guajará e no eixo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
As distâncias eram muito maiores do que hoje, porque as dificuldades também eram um enorme desafio. O Território, criado com terras de Mato Grosso e Amazonas, não tinha qualquer autonomia, e do ponto de vista econômico tudo dependia apenas de uma fonte: a Madeira-Mamoré. Havia – e não era sempre – apenas um juiz e um promotor, isso quando tinha. A segunda instância era em Brasília onde os recursos daqui mofavam anos nas gavetas dos membros do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, e advogados daquela época disseram várias vezes que a melhor solução era a negociação. Emissora de rádio apenas a Caiari, fundada em 1961, mas só uma minoria de famílias tinha um aparelho de rádio, em redor dos quais, à noite, amigos se reuniam para ouvir a Hora do Brasil, por onde se ficava sabendo das novidades – com em 1943 quando foi lido o decreto de criação do Território do Guaporé, juntando partes dos estados do Amazonas e de Mato Grosso, ou quando acontecia troca de governadores, o que era coisa comum, fato imediatamente festejado com foguetes pelos adversários de quem estava no poder – entre 1943 e 1964, em 21 anos, o Território teve 18 governadores, e Porto Velho17 prefeitos.
Apesar da notícia da criação do Território ter chegado via programa “Hora do Brasil” (a partir de 1971 “Voz do Brasil”), já havia uma expectativa de que isso acontecesse, conforme o poeta e aluizista Walter Bártolo e o historiador e renatista Abnael Machado de Lima, ambos afirmando que ainda no mês de julho Aluízio Ferreira seguira para o Rio de Janeiro, anunciando que só retornaria depois que Vargas assinasse o decreto criando o Território. Os dois, e o jornalista Euro Tourinho contavam terem sabido que o único convidado para a solenidade fora o próprio Aluízio.
“Chovia muito naquela noite de 1943. O doutor Ary Pinheiro (médico, patrono do Hospital de Base) comemorava em casa o seu aniversário. Quando ouviu em seu rádio que o Terrritório fora criado, ele saiu com uma espingarda comemorando, atirando para cima”, recordou o historiador e também membro da Academia de Letras de Rondônia, ACLER Esron Penha de Menezes (falecido em 2009), fato contestado pela historiadora e membro da ACLER Yêda Pinheiro Borzacov, filha de Ary, mas àquela altura ela contava apenas pouco mais de três anos. O fato narrado por Esron foi confirmado pelo jornalista Euro Tourinho (falecido em 2019).
Numa época em que a comunicação, como se tem atualmente, não existia, Porto Velho contava com poucos aparelhos de rádio, e ainda assim a estática na recepção do som oriundo das emissores do Rio de Janeiro muitas vezes era um ruído inaudível; uma pessoa, que ocupava uma função considerada subalterno, o telegrafista da agência dos Correios era muito assediado por saber das notícias antes de todos. Poucos moradores, um deles o Sr. Alcedo Marrocos, possuíam um equipamento de radioamador, sistema que permitia comunicar-se com outras cidades.
Anos após a instalação do Território um desses equipamentos foi instalado no quartel da 3ª Companhia de Fronteira (atual comando da 17ª Brigada de Infantaria de Selva) comandada em 1964 pelo major Carlos Godoy. Quando 1964 chegou, os jornais locais eram o Alto Madeira e O Guaporé. A “emissora” mais rápida era a “rádio cipó”, mais do que a recém instalada Rádio Caiari.
Os aviões de carreira pousavam no campo do Caiari – região que vai do ginásio Cláudio Coutinho até ao CPA do Governo, e isso era uma atração enorme, para ver quem saía ou chegava, e para a garotada pegar poeira, o vento levantado pelas hélices, ou num atracadouro para os hidroaviões catalina. Outra forma de chegar era pelos navios – Lobo D’Almada, Augusto Montenegro e Leopoldo Peres, que faziam a rota Belém/Manaus/Porto Velho. Ou pela Madeira-Mamoré, com seus trens entre Porto Velho e Guajará-Mirim. A cidade não tinha ainda telefonia, nem a urbana.
Em 1960 o presidente Juscelino Kubistchek aceitou o desafio do governador de Rondônia, Paulo Leal e mandou abrir a rodovia BR-29, primeira designação da atual BR-364, com o traçado iniciado em Porto Velho no mesmo local onde Vagas visitara o município em 1940. A estrada teve seu primeiro traçado a partir da decisão de JK, seguindo a linha telegráfica aberta por Rondon em 1907. Mas suas condições eram terríveis, o que incluía falta total de estrutura, sem pontos de apoio e uma enorme aventura viajar nela que fora aberta no primeiro semestre de 1960.
Em Porto Velho, durante o dia, e até a noite, quando se queria ficar sabendo das novidades a pedida era ir aonde todossabiamtudodetodoomundo, aos clíperes (pequenos bares) na Sete de Setembro entre a Presidente Dutra e a Prudente de Moraes. Ou ao Mercado Municipal incendiado em 1966 (onde depois foi instalado o Mercado Cultural). O comércio era sustentado pela pouca borracha produzida, mas o grosso do dinheiro que circulava era oriundo do pagamento dos funcionários federais, com destaque para os ferroviários da EFMM – quando não atrasava porque se isso acontecesse aí as compras iram para o “caderno de fiado”. Àquela altura outro produto começava a se firmar na economia local, e a atrair homens e mulheres especialmente do Maranhão: a garimpagem manual de cassiterita, descoberta por acaso nas terras do seringalista Joaquim Pereira da Rocha, na década anterior. À noite era comum grupos de violeiros e outros músicos se juntarem para fazer serenatas. Luz era de motor do Salft (Serviço de Água, Luz e Força do Território).
Havia duas agências bancárias, a do Banco do Brasil e a do Banco da Borracha (atual Basa). Seus funcionários formavam uma espécie de classe privilegiada e tinham até um clube, o Bancrevea (Carlos Gomes com a Campos Sales), local em que as mulheres iam às festas de longo e os homens de passeio completo. Mulher “mal falada” não entrava. Nos finais das tardes a pedida era ficar no bar do Porto Velho Hotel, numa espécie de hapy hour. Nos finais de semana a ´paquera rolava grande nos finais das tarde quando os rapazes ficavam “azarando” a e as garotas desfilando. Muitas famílias se constituíram a partes dessas tardes de domingo. Para os homens, a noitada seguia na esbórnia, nos ambientes onde a noite não tinha hora para terminar.
Aos domingos as disputas de futebol eram no campo do Ypiranga ou no da 3ª Companhia, quando as torcidas participavam com o mesmo fervor por suas preferências e por seus atletas principais, inclusive mulheres, esposas, mães, parentes ou nem tanto, dos jogadores, em parte oriundos de Belém (PA) trazidos por um dos cubes, o “passe” era um emprego federal.
Apesar de ser uma cidade pequena, Porto Velho fervilhava quando o assunto era política. E isso começou muito antes da criação do Território. Logo depois da instalação do município, em 1915, como àquela altura já era a maior urbe da calha do Rio Madeira, sede do maior empreendimento econômico da região, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, muita gente veio de Santo Antonio, em torno de 7 quilômetros de via ferroviária, e de Humaitá, de onde fora retirado um pedaço para a criação de Porto Velho, disputa política aflorou no nascedouro.
Em 1915 surgia o primeiro jornal em língua portuguesa na cidade, “O Município”, que menos de dois anos depois seria vendido ao grupo político adversário do prefeito Fernando Guapindaia de Souza Brejense. Em lugar do “Município” surgia o jornal Alto Madeira, eu circularia ainda mais um século. Erra a política ainda no nascedouro do que seria mais de 30 anos depois a capital do Território Federal do Guaporé, em 1956 Rondônia, onde já na primeira eleição para deputado federal, já houve muitas denúncias de fraude, a favor do eleito Aluízio Ferreira.