*Por Moisés Selva Santiago
A boa teologia de Ariano Suassuna
No “Auto da Compadecida”, o paraibano Ariano Suassuna surfa tranquilamente nas ondas de uma teologia que o povo conhece e gosta. Bem-humorado, o Auto – feito em forma de livro, teatro, série, filme e na versão 2 que vem aí – encanta um povo sofrido com tanto desatino de verdugos líderes religiosos cristãos. Isso porque dos púlpitos esses supostos vocacionados erguem açoites que dilaceram o coração de quem apenas quer mostrar o olhar e ser feliz nesta fugaz vida de sonho e de pó (como canta Renato Teixeira).
Digo isto porque a gente tá cansado desse “fica rico, fica pobre” – refrão de João Grilo. E não me refiro a ter ou não dinheiro. Infelizmente, de quatro em quatro anos algumas igrejas reaparecem ladeadas com a política partidária, “de braços e abraços num romance astral” (na poesia do “Trem das 7”), ora alimentando, ora nos fazendo ficar pobres de esperança. Não fosse a Justiça a defender o estado democrático de direito, oportunistas vândalos armados não amados destruiriam a ordem e o progresso que tremula na bandeira mais linda do mundo – hasteada no coração de quem vive nas metrópoles, favelas, sertões, pampas e nas mais isoladas comunidades ribeirinhas amazônicas.
Dos púlpitos desses teólogos míopes e exclusivistas também saem ameaças do fogo do inferno com um intenso marketing do Cão (perdoem-me os canídeos!) capazes de arrancar lágrimas de mulheres e homens dos brasis; gente que simplesmente busca na Compadecida a presença materna nos momentos das dificuldades diárias. Os evangélicos a rejeitam, os católicos a aceitam. Aqui respeito seu posicionamento. Afinal, o mais importante é saber que Deus continua atento ao sofrer da humanidade, oferecendo salvação em Jesus. Aliás, como diz Rosinha, “Jesus às vezes se disfarça de mendigo pra testar a bondade dos homens.” Talvez aqui esteja o imenso desafio da compaixão, empatia, solidariedade, cooperação, coletividade, irmandade e sororidade justamente com o Outro tão diferente do que pensamos ser o correto – desafio este que deveria ser o mote de cada sermão em todos os tempos e templos.
Felizmente, nessas ondas teológicas Suassuna põe na boca filosófica de Chicó uma receita para ser dita todas as vezes que famosos religiosos tentarem abalar nossa fé em Deus: “Não sei, só sei que foi assim!” Ah, sim! Sabemos que foi assim: Deus nos amou de tal maneira que enviou Jesus para nos salvar – salvar também das regras farisaicas; das profecias do achismo; das ortodoxias perversas; das ilicitudes anticristãs; das ideologias assassinas; das perseguições intolerantes geradoras de violências religiosas, racistas e sexistas – salvar-nos de nós mesmos e de nossa ignorância bíblica. Tanto que, nesta magnífica obra de Suassuna a última cena é um caminho, meio seco e meio verde, onde é possível continuar a caminhada, surfando-se esperançosamente na construção de uma teologia que liberta porque ama e ama porque é livre no incomensurável amor soberano do Pai Eterno. E o povo gosta dessa boa teologia.
*Por Moisés Selva Santiago – Pastor, jornalista e escritor