Por Lúcio Albuquerque ([email protected])
A história de quem viveu o drama, a madrugada de 3 de fevereiro de 1982 em que o quartel da PM em Cacoal foi pelos ares. Esses personagens, e muitos mais, com certeza não gostam de lembrar do que aconteceu, e o que eles viram e testemunharam numa cidade que ainda dava seus primeiros passos, e por sua condição de líder da região central do estado era destino certo de muitos migrantes que àquela altura atendiam ao chamado feito pelo governador Jorge Teixeira, o de “Homens sem terra para terra sem homens”.
Mas essa história também envolve quem não estava lá naquela madrugada, mas que viveram o choque, a tristeza e a certeza, até, de que em homenagem aos mortos, deveriam trabalhar mais para o crescimento da cidade que é hoje a “Capital do Café”, principal centro econômico do interior rondoniense, mas onde todas as quartas-feiras familiares dos mortos chegam ao quartel da PM e os homenageiam no monumento ali construído para lembrar do que não pode ser esquecido, daquela madrugada fria que não sai de suas cabeças.
Madrugada fria e chuvosa, com um ventinho que ajudava a esfriar um pouco mais e dar mais ainda vontade de ficar na cama, as testemunhas do que foi aquele dia, mais de 38 anos depois, ainda lembram: estavam dormindo e foram despertadas pelo barulho, e ao despertarem pelo barulho além de não saberem o que estava acontecendo também pensaram em tudo, menos na explosão naquela repartição militar.
O COMERCIANTE
O comerciante Ademir Zago não se encontrava em Cacoal, de onde se afastara há quase dois meses para resolver alguns problemas comerciais e retornava para instalar sua loja. Às seis horas da manhã daquele dia, em companhia de uma pessoa, contratada para trabalhar com ele, Ademir, que era amigo da maioria dos que morreram, estava na rodoviária de Cuiabá, tomando café e se preparando para pegar o ônibus que fazia a linha da capital mato-grossense, a quase 900 quilômetros de distância, até a capital rondoniense, mais 481 quilômetros de muito chão, buracos, lama, numa viagem que, como se dizia àquela época, “só tem hora para sair mas não tem de chegar”.
Naquele tempo as condições de comunicação eram muito difíceis sistema de telefonia muito diferentes do atual. Em Rondônia ainda eram poucas as emissoras de rádio e Zago, como era conhecido em Cacoal, contou que em nenhum momento, e em nenhuma parada intermediária ouviu qualquer referência ao que aconteceu no quartel.
Com o funcionário que contratara, Zago saiu de Cuiabá na Manhãzinha der quarta-feira. E chegaram em Cacoal na noite de sábado, indo hospedar-se no Hotel Independência, bem próximo ao que era o quartel. Os dois saíram de Cuiabá, num ônibus, na manhã de quarta-feira, e chegaram a Cacoal na madrugada de sábado e foram levados para hospedar no hotel Independência, próximo ao quartel. Cansados e com sono, e talvez porque havia pouca gente na pequena rodoviária cacoalense e o taxista que os conduziu não tenha comentado nada, nem prestaram muita atenção ao “Independência” que, apesar do fluxo de pessoas em trânsito na cidade ser grande, estava vazio e com algumas janelas quebradas.
“Só quando saímos, já de manhã, é que vimos o estrago, mas só tomamos conhecimento da tragédia quando vi que ao lado, onde antes existia o quartel, havia agora apenas um enorme buraco. Eu levei um susto e pior ainda porque alguns dos mortos eram meus amigos, e havia pelo menos 20 casas destruídas nas proximidades”.
A PROFESSORA
A professora e poetiza Maria Lindomar dos Santos, lembra: “Eram 5h45 quando sentimos o chão tremer. Como ninguém falara ainda que acontecia tremor de terra em Cacoal, eu imaginei que tinha tido apenas um sonho ruim. Depois de alguns minutos é que soubemos da correria e meu pai levantou para ver o que havia acontecido”.
Quando ele voltou confirmou o que a família já ouvira falar dos vizinhos que saíram de suas casas: o quartel havia desaparecido e com muitos mortos. Quando saímos de casa é que vimos o estrago, porque além do quartel tinham muitas casas abaladas e algumas destruídas, todas ainda pequenas porque a cidade ainda estava praticamente iniciando, e as mais próximas àquela guarnição militar foram as que tiveram a maior destruição.
A professora Lindomar lembra a sensação de perda e que a cidade praticamente ficou fechada durante vários dias. “Foi triste saber que 11 pessoas perderam suas vidas em um acidente que até hoje não sabemos se poderia ter sido evitado. Meu pai, Inácio Romão dos Santos, comerciante, dono de funerária, foi o responsável por recolher os corpos e determinar um enterro digno a cada um. Com sua simplicidade, conseguiu deixar uma pequena homenagem no cemitério Santo Antônio, onde nomeou o local que foi sepultado os soldados e o civil falecidos na explosão do quartel”.
O EXECUTOR DO INCRA
O advogado e escritor José Lopes de Oliveira era o executor do projeto fundiário do Incra na região. “Eu estava acordado, mas continuava deitado, aproveitando o friozinho que fazia. A explosão foi assombrosa. Estremeceu os vidros das janelas da minha casa que ficava na Vila do INCRA a uns 700 metros do quartel. Teve uma queda de energia segundos antes de ouvir a explosão. Levantei imaginando fosse algo no transformador da rede elétrica. Fui até a guarita e o vigilante indicou a direção da explosão no rumo de uma serraria. Peguei o Jeep do INCRA e fui ao local, quando deparei com o quartel reduzido a pequeno amontoado de entulho. Tinha uma meia dúzia de pessoas no local”.
Em 1982, lembra Zé Lopes, telefone era objeto raro. Voltei imediatamente para casa e liguei para o Comando da PM em Porto Velho. Me informaram que eu fui a segunda pessoa a ligar e que o governador Jorge Teixeira já havia sido avisado – o aviso foi dado pelo prefeito cacoalense, o engenheiro Clodoaldo Nunes de Almeida.
Zé Lopes continua: O na época Tenente Rui Teixeira era o comandante do destacamento de Cacoal. O governador Teixeira tinha um carinho especial por ele por ter o mesmo nome do filho do coronel (Rui). Se não me falha a memória o carro do pai da namorada ou noiva do Rui, estava na garagem do quartel, sugerindo que ele voltou para o quartel no carro do sogro. Na época circulou duas histórias. Falaram que um militar casado brigara com a esposa e foi pernoitar no quartel: morreu; outro era solteiro e recebeu a visita da noiva que seria de Guajará, dormiu num hotel: escapou.
No mesmo dia Zé Lopes disponibilizou para a Polícia Militar dois apartamentos para funcionar o pelotão e para dormida dos soldados. Para isso teve de desalojar um quarto inteiro e agrupar os funcionários do Incra em outro aposento. “A PM permaneceu no local até que construíram o novo quartel”.
Domingo próximo: Como fazer jornalismo lembrando das cenas e dos amigos que perdemos?