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domingo, dezembro 22, 2024

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Adélio recusa tratamento e vive impasse na prisão 5 anos após facada em Bolsonaro

Defesa pede ida do autor do ataque para hospital psiquiátrico, mas Justiça o mantém em presídio federal

Adélio Bispo de Oliveira, o homem que há cinco anos deu uma facada na barriga do então candidato a presidente Jair Bolsonaro, vive um impasse sobre seu destino, com uma batalha judicial sobre mantê-lo na Penitenciária Federal de Campo Grande ou transferi-lo para um hospital psiquiátrico.

A situação tem ares rocambolescos. Adélio, em tese, poderá um dia deixar a unidade de segurança máxima onde é mantido desde a época do atentado. Mas, para isso, precisará estar com os problemas de saúde mental controlados e deixar de representar um perigo à sociedade.

Só que ele —que ocupa uma cela de 6 m² de onde só pode sair para um banho de sol diário de duas horas— recusa remédios e está sem um tratamento apropriado para o transtorno delirante persistente, distúrbio que fez a Justiça considerá-lo inimputável (sem condição de responder por seus atos).

Adélio Bispo de Oliveira, autor de ataque contra Jair Bolsonaro

 

Como uma melhora parece improvável nessas circunstâncias, a indefinição está colocada. Os laudos psiquiátricos recentes sugerem um agravamento do estado de saúde mental de Adélio, 45. Ele evita os banhos de sol, pouco fala com outros presos e não recebe visitas de familiares.

A transferência é um pleito da DPU (Defensoria Pública da União), que assumiu a defesa de Adélio e sua curadoria, isto é, a responsabilidade legal. A Justiça, no entanto, é firmemente contra, sob o argumento de que ele mantém a periculosidade e corre risco de vida fora do sistema federal.

O advogado Alfredo Marques, que passou a atender uma irmã do esfaqueador, lança um exagero retórico para definir o cenário. “O Estado condenou Adélio à prisão perpétua, o que a Constituição proíbe”, afirma ele, que atua com a sócia Edna Teixeira de graça, pois a família não pode pagar pelos serviços.

Maria das Graças Ramos de Oliveira mora na cidade mineira de Montes Claros, terra natal da família. Ela até hoje tenta entender o que levou o irmão a tentar matar o político no meio de uma multidão durante um ato de campanha em Juiz de Fora, também em Minas Gerais, em 6 de setembro de 2018.

No mês seguinte, impulsionado pelo clamor popular e ainda se recuperando, Bolsonaro venceu a eleição.

O juiz Bruno Savino, da Justiça Federal em Juiz de Fora, impôs ao réu uma sentença de absolvição imprópria —que o reconheceu como autor, mas o isentou de pena por ser inimputável— e mandou que ele cumprisse medida de segurança, uma espécie de internação, na penitenciária em Mato Grosso do Sul.

A Polícia Federal, em dois inquéritos, concluiu que Adélio agiu sozinho, sem o envolvimento de mandantes ou comparsas, e que foi movido por discordâncias políticas. No ano passado, as investigações foram reabertas com foco no financiamento dos advogados que o defenderam inicialmente.

A primeira avaliação periódica em Adélio foi feita em julho de 2022. Psiquiatras conversaram com ele por quase três horas. Os laudos atestam a manutenção da periculosidade pela ausência de assistência médica adequada, mas apontam chance de evolução se ele for submetido a tratamento.

Com a constatação, a Justiça renovou a permanência dele no presídio até 2024. Segundo os especialistas, um ambiente propício facilitaria a adesão aos procedimentos médicos. Não se descarta, contudo, o tratamento compulsório.

Enquanto isso, a DPU batalha pela transferência para um local onde Adélio tenha condições de progredir para a ressocialização, mas o titular do caso, o defensor público Welmo Rodrigues, tem esbarrado em uma série de obstáculos.

Hospitais judiciários em Minas foram sondados, mas alegaram superlotação e longas filas de espera para negar o acolhimento. Há ainda o receio de abrigar um interno conhecido nacionalmente e visado por apoiadores do ex-presidente. O custo político também é medido por autoridades ligadas ao caso.

O quadro ficou ainda mais complexo com a ordem do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para a desativação gradual dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico no Brasil. O objetivo é estimular que presos com problemas mentais sejam atendidos em unidades de saúde regulares.

Rodrigues diz que Adélio não pode ser penalizado pela incapacidade do sistema judiciário de prover um local adequado à sua condição. A penitenciária tem estrutura médica, mas longe de ser a ideal para uma terapia psiquiátrica completa, que exige equipe multidisciplinar e abordagem individualizada.

“O caso evidencia a forma como pessoas com o perfil dele têm sido tratadas no país”, diz o defensor.

Segundo ele, porém, uma possibilidade para o destino de Adélio se descortinou há algumas semanas. O membro da DPU conseguiu um psiquiatra que passou a acompanhar o interno com regularidade. É um médico com experiência nessa área dentro do sistema prisional sul-mato-grossense.

Para Rodrigues, a expectativa é que o tratamento comece a ser aceito e possa surtir algum efeito, mesmo com as condições adversas. Se houver avanço que abra caminho para a transferência, a defensoria pedirá a antecipação da próxima perícia, hoje prevista para agosto de 2024.

Adélio não reconhece ter doença mental e afirma que os remédios ofertados a ele são desnecessários e causam efeitos colaterais. Em momentos de aparente lucidez, revela o sonho de voltar à liberdade e fala do desejo de retornar para Minas, ficar perto da família e trabalhar. Não indica, porém, arrependimento pela tentativa de assassinato.

Os relatos de profissionais que o atendem dão conta de delírios recorrentes, com manias de perseguição e falas desconexas sobre política, religião e maçonaria.

O suposto vínculo de Bolsonaro com a organização conhecida pelos rituais sigilosos foi uma das motivações apontadas pelo autor do ataque. O nome do ex-presidente, no entanto, não costuma ser mencionado por ele, segundo o defensor público. Nem o do presidente Lula (PT).

A troca de governo, no início deste ano, foi vista como uma oportunidade pelos advogados da irmã de Adélio para uma nova cartada. Eles partiram da ideia de que sob Bolsonaro eram nulas as chances de alguma interferência em favor dos direitos do interno, mas que o contexto havia mudado.

Marques e Teixeira acionaram a pasta dos Direitos Humanos e da Cidadania. Apresentaram uma denúncia em que pediam a inspeção de uma comitiva com o ministro Silvio Almeida e faziam referências a maus-tratos e tortura —graves violações que a DPU também pretende denunciar.

O ministério deu uma resposta protocolar, informando o compartilhamento das informações com a área que analisa suspeitas de abusos e com autoridades dos sistemas penitenciário federal e estadual.

“Para esse tipo de encaminhamento que foi dado, nós mesmos poderíamos ter agido. O caso exige uma ação especial”, diz Teixeira, em tom de frustração. O ministério afirma, via assessoria, que “adotou as medidas de praxe, determinadas pelas suas competências legais, em casos como esse”.

Em outra frente, os advogados de Maria das Graças tentam garantir a ela visitas virtuais, mas Adélio vem se negando a conversar com a irmã, de acordo com as informações fornecidas pela penitenciária. Ele também rejeita a ideia de repassar sua curadoria para ela.

A dona de casa viu o irmão pessoalmente em março, na primeira visita de um familiar a ele. O contato foi como nos filmes: por telefone, com um vidro separando os dois. Faz parte das rígidas regras da penitenciária. “Nem me deixaram dar um abraço no Tuca”, diz ela, usando o apelido do convívio íntimo.

Fonte: Folha de São Paulo

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