Emerson Arruda[1]
Os últimos meses e os diversos acontecimentos em nosso país tornam-se um convite reflexivo a fim de transformarmos esse cenário complexo num tempo de aprendizagem, avaliação de critérios e ressignificação de uma série de paradigmas. Isto porque muitos indivíduos no exercício de sua liberdade democrática, por vezes revelam um comportamento passional rígido, não permitindo que haja uma análise sensata dos fatos.
Aliás, construir uma interpretação da realidade não é uma atitude fácil quanto imaginamos, posto que, paixões ideológicas, religiosas e epistemológicas, dentre outras, apresentam-se como ruídos no processo da escuta, dificultando, deste modo, a percepção da harmonia de diversos interesses ou a própria existência da desarmonia entre o discurso e a implicação do conteúdo enunciado.
É evidente que todo paradigma político, científico, acadêmico e/ou popular não é construído a partir da neutralidade, pelo contrário, nossa percepção de análise é o resultado de crenças que nos perfazem e que se constituem como a base teórica da nossa localização existencial no mundo.
Nesse sentido, a implicação lógica deste argumento é o fato de que não existe escola, universidade, igreja, família, economia e etc., sem partido, logo, deveríamos receber um tipo educação familiar e formação filosófica que nos fizessem compreender a nossa cosmovisão e as diversas cosmovisões presentes na história humana.
A ausência dessa construção formativa permite que o elemento passional, isto é, nossas paixões, exerçam um protagonismo desequilibrado quando efetivamos análises sobre a política brasileira, os discursos científicos, as diretrizes educacionais em vigência, a natureza da pandemia e uma série de temas difíceis que necessitam de nossa humildade, bom senso e de honestidade no ato de discutirmos sobre eles.
O problema é que algumas pessoas estão mais preocupadas com a defesa irrestrita de suas crenças e de compromissos ideológicos, desconsiderando a promoção de um estudo equilibrado, onde o elemento mais importante não é a realização egoísta ou a satisfação passional de cada indivíduo, mas, o prazer mútuo de encontrar um parâmetro naquilo que é justo e fraterno, cuja finalidade é o bem comum.
Talvez, ao lerem esse texto, muitos imaginem que tal perspectiva seja essencialmente utópica, visto que, por vezes,estamos mais preocupados com o agrado irrestrito de nossos desejos, do que com a beleza da verdade e de suas implicações libertadoras para o desenvolvimento humano.
Entretanto, a natureza utópica do que apresentamos não está fundamentada num exercício teleológico irreal ou impossível de ser concretizado, de modo nenhum. Essa utopia revela sua concretude e a sua plausabilidade naquilo que podemos fazer cotidianamente através de nossas ações, que devem ser pautadas por uma reflexão-ação e ação-reflexão centradas no compromisso com a verdade que deve começar no interior dos nossos lares, nos primeiros relacionamentos interpessoais.
O desafio não envolve a confiança em soluções mágicas, numa subjetividade líquida relativista, desconstruindo o legado histórico do pensamento jurídico romano, da razão filosófica grega e da ética judaico-cristã, pelo contrário, precisamos encontrar, a partir do processo educacional, um lugar comum a todos, a fim de produzir em nosso tempo, a arte da convivência, do respeito mútuo e, finalmente, da ação comunicativa.
Deste modo, para que essa proposta seja efetivada, é necessário a suspeição da passionalidade que nos constitui, evocando um exercício intelectual de piedade que nos conduz a um dos maiores desafios do nosso tempo, cultivar o equilíbrio, e isso não é fácil. A ausência desse autocontrole, corrobora para o fortalecimento de diversas polarizações, guerras de narrativas e de discursos apologéticos reducionistas e aversivos a sensibilidade lógica.
Enquanto isto, milhares de pessoas no Brasil ficam reféns dessas circunstâncias patológicas, imaginando que encontraram o significado das coisas nos extremos, entretanto, não passam de ovelhas que não tem pastor, carregando fardos e jugos pesados dos campos político, religioso e acadêmico. Sair da passionalidade requer o abandono da zona de conforto, buscar o equilíbrio é um trabalho árduo, mas, necessário, pois, tudo que é rígido quebra.
[1]É teólogo, filósofo, pedagogo, historiador, mestre em Educação e doutor em História pela UFMT, doutorando, pós-doutorando em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie e professor da Rede privada de ensino da Educação Infantil ao Ensino Universitário na cidade de Rondonópolis, Mato Grosso.