No dia 08 de abril completaram exatos três anos que aconteceu o fatídico confronto na terra dos Cintas Largas que culminaram com a morte de 29 garimpeiros. Durante todos esses anos o fato foi investigado pelas autoridades competentes, mas nunca se preocuparam em dar uma resposta convincente para a opinião pública do que realmente ocorreu na reserva naquele dia.
Graças a esse silêncio das autoridades o episódio foi, e continua sendo explorado com muito sensacionalismo por toda a mídia do país, causando um grande constrangimento para o povo da Reserva Roosevelt. Durante esse tempo a nação indígena tem convivido com essa culpa, marcados pelo estigma de ser um povo belicoso e dado à violência. Contrariando toda essa pragmática afirmação, as lideranças lutam para reconstruir a vida na aldeia, buscando melhores dias para os seus descendentes. Tentando entender melhor a saga desse povo, visitei a aldeia central do Roosevelt e Capitão Cardoso.
Durante as conversas com as lideranças mais velhas passei a conhecer a luta enfrentada por esse povo que ao contrário do que dizem, formam uma sociedade patriarcal, com uma convivência muito alegre e festiva, gostam de receber suas visitas com grandes festas onde homens, mulheres e crianças dançam e riem com a maior naturalidade. Os problemas nas aldeias surgiram com a descoberta do garimpo, daí por diante a situação tem se tornado em parte muito mais difícil, porque se por um lado os índios têm dificuldades para trabalharem suas terras e sustentar seu povo, por outro são excluídos pela sociedade pelo fato da maioria ser analfabeto, não ter cultura e ter costumes diferentes dos brancos.
Na aldeia central do Roosevelt a liderança é do Cacique João Pamaré Cinta Larga. Com boa instrução, João Pamaré não tem dificuldades para se expressar com seus interlocutores. “Quando tivemos contato com o branco achamos que seríamos aceitos em seu meio, mas com a descoberta do garimpo tentamos trabalhar em comum acordo com eles, não foi possível, verificamos que enquanto trabalhávamos com os brancos, houve uma desestruturação das comunidades e uma enorme evasão de parentes para a cidade, daí surgiram todas as coisas ruins.
João Pamaré Cinta Larga também falou do temor dos mais velhos com a evasão de jovens que vão para cidade. “Nossos jovens começam a conviver com os brancos e logo não querem mais viver como nós, isso é muito ruim para o futuro do povo, precisamos que eles aprendam língua dos brancos, que estudem como os brancos, possam ser doutores, professores, qualquer coisa, mas não esquecendo nossas origens”. O cacique da Aldeia Roosevelt fez questão de mencionar a preocupação das lideranças. “Não queremos que os jovens da aldeia venham a passar pelas mesmas dificuldades que minha geração está enfrentando hoje, nessa convivência com o branco”.
Durante os dias que passei na aldeia, as conversas com as lideranças mais velhas sempre foram carregadas de desabafos contra a atual situação por que passam os remanescentes da grande Nação Tupi. No dia marcado para voltar à cidade pude conversar com o ex – cacique geral da etnia que visitava a aldeia. Ita Cinta Larga como os demais lideres, criticou o abandono dos índios por parte do governo federal. “Não temos um bom atendimento de saúde, temos grandes dificuldades, pois estamos a centenas de quilômetros da cidade e nosso posto de saúde é de pequena estrutura, não atende as nossas necessidades, se houver alguma emergência não sabemos o que pode acontecer com parente.”
Sentado sobre um grande tronco caído ao lado da maloca, o líder Ita Cinta Larga também falou dos temores dos índios com a segurança de suas terras. “Outro problema que preocupa é não termos controle dos limites da reserva, muitas vezes descobrimos o branco trabalhando de forma clandestina nas grotas, quando acham “pedra boa” na hora de repartir acabam brigando e muitas vezes matam amigo para ficar com pedra. Quando volta à cidade sem companheiro fala que foi o Cinta Larga que matou, homem branco tem muita malícia e pouca palavra”, reclamou o líder indígena.
Tive que concordar com o sábio índio diante dos inúmeros casos que temos conhecimento na região, fatos que a mídia explorou muitas vezes sem o devido conhecimento e cautela, denegrindo e desonrando o povo da floresta, fomentando o ódio dos brancos contra os índios. Alterando a voz em alguns momentos o velho líder indígena continuou seu desabafo enquanto cavoucava o chão com um graveto de madeira, “Quero dizer que nós Cinta Larga não invadimos os comércios, as residências, as terras, não ameaçamos os filhos do branco e muito menos a vida do branco”. “Nós, Cinta Larga só querer do governo brasileiro a garantia da nossa terra”.
Em dado momento o velho líder apanha com o graveto uma enorme formiga preta que caminhava no chão de terra batida. Ita Cinta Larga levanta o inseto que agarrado ao galho fica imóvel na sua extremidade. O velho índio, considerado um analfabeto pelo fato de não ter cursado uma escola dos brancos, olha fixamente para o inseto e murmura uma entrecortada frase na sua língua materna: “Mbaveej máá nzyja atawaap ta mene pira”!. Rapidamente olhei para o professor Anemã Cinta Larga ao meu lado e ele entendeu o meu gesto. Baixou a cabeça e respeitosamente me traduziu o triste lamento do velho cacique. “Parente muito triste com tudo que aconteceu com a gente”! Parente fala! “Meu povo tem o direito de viver paz”.
Após retornar das aldeias passei a questionar o posicionamento muitas vezes irresponsável da imprensa, tanto local como nacional pelo modo como vem tratando o povo Cinta Larga. Fazendo um mau uso dos meios de comunicação, expondo esse povo a execração, imputando – lhe toda a culpa por tudo de mal que acontece na região. Muito desses “Profissionais da Mídia” nunca sequer estiveram próximo ao garimpo, mas se baseiam em boatos carregados de exageros ou em alguns telefonemas para escrever suas matérias, com essa negligencia deliberadamente estão incitando a violência e o ódio dos brancos contra os povos da floresta. Hoje tenho plena certeza que o maior desejo dos 1362 índios que formam a Nação Cinta Larga, é ter a garantia de viver em paz em suas terras. Somente isso!
Luizinho Carvalho é jornalista
[email protected]