As discussões sobre o imunizante contra a Covid-19 foram pautas de constantes conflitos nas redes sociais, envolvendo os eleitores autointitulados direitistas e as pessoas que acreditam na ciência. Todavia, muitas coisas mudaram nos últimos meses, e a turma do Verde e Amarelo negou a vacina, enquanto as escassas doses não haviam chegado aos almoxarifados do SUS, nos diferentes estados brasileiros. Antes disso, a vacina era chamada de inútil, ineficaz, coisa de “comunista” e outros adjetivos. O curioso nisso tudo é que, com a chegada da vacina, surgiram também diversos esquemas orquestrados pelos negacionistas para furar a fila e tomar as doses do imunizante, atropelando todos os critérios de prioridades e ignorando completamente os fundamentos de decência, moral e ética que todos os boçalnaristas carregam sempre na ponta da língua. Foi assim que o patriotismo, cantado em prosa e verso, virou sinônimo de privilégio, de jeitinho brasileiro, de fura-fila, em todos os municípios de Rondônia. Nossa Urbe Obediana não é nenhuma exceção…
O brilhante pensador e dramaturgo inglês William Shakespeare declarou, certa vez: “Tenha paciência. Tudo aquilo que você deseja, se for verdadeiro, e o mais importante: se for para ser seu, acontecerá.” A turma de Verde e Amarelo, porém, não aceita aplicar o pensamento de Shakespeare no sistema de vacinação e os critérios de prioridades estão perdendo a batalha para o jeitinho. Em Rondônia, o número de pessoas que furaram a fila da vacina é muito maior do que pode imaginar nossa vã filosofia, como também declarou William Shakespeare, mais de 400 anos atrás. E uma coisa muito curiosa nessa história é que muitas pessoas citadas como parte da turma que fura a fila são negacionistas e patriotas convictos. A galerinha de Verde e Amarelo é adepta do “faça-o que-eu-digo”… Muita gente que negava a vacina diuturnamente agora age como se o produto chinês fosse propriedade indiscutível dos negacionistas…
O governo brasileiro deveria ter seguido o exemplo dos Estados Unidos, na campanha de imunização da população. Nos Estados Unidos, o critério adotado pelo para aplicar a vacina é o COMUNISMO, ou seja, a vacina para toda a população, sem privilégios. Embora muitos brasileiros não saibam, comunismo é sinônimo de igualdade, divisão igualitária de ações dentro da sociedade, mas a igualdade é uma coisa que se tornou rara no Brasil e combatida pelo próprio presidente. Até as pessoas mais desatentas lembram quando Bolsonaro declarou: “se eu puder dar o filé para o meu filho, vou dar sim.” Ele chamou de filé o cargo de Embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Agora, o filé é a vacina… Aquela aversão por coisas públicas é tudo teatro ao estilo Shakespeare… Os prosélitos do boçalnarismo pregam o Estado Mínimo, a privatização de tudo, inclusive do SUS, e a livre iniciativa, mas lutam com unhas e dentes pelos “filés” do setor público. Alguém conhece alguma empresa privada onde o presidente da república tenha dado um dia de expediente, nos últimos 65 anos???
A vacina contra a Covid-19 revela que muitos brasileiros adoram o discurso da moralidade, mas não perdem a oportunidade do jeitinho. No Brasil, os órgãos de fiscalização também costumam dizer que fiscalizam tudo com muito rigor. Será que as autoridades do setor de fiscalização sabem quantas pessoas furaram a fila da vacina em Cacoal?? Claro que não!! A lista é enorme! Na lista, estão políticos; inclusive vereadores, outras autoridades municipais; autônomos; liberais; empresários; servidores públicos; inclusive sindicalistas; e outros privilegiados… Se as doses de vacinas aplicadas em pessoas que furaram a fila em Cacoal tivessem sido aplicadas em professores, praticamente todos os professores da rede municipal de Cacoal estariam vacinados. É uma pena que na lista de fura-fila também apareçam dois ou três professores… Nossa Urbe Obediana está muito longe de ter algum resquício comunista, porque a igualdade perde feio para o jeitinho brasileiro…
A bola-de-neve do jeitinho brasileiro não se resume à vacina chinesa e aos privilégios de poucos. As autoridades precisam abrir os olhos para o esquema de fura-fila em UTI. Essa situação é muito séria e pode causar transtornos irreparáveis. A busca de um bode expiatório para assumir que furou fila de vacina talvez nem seja mais prioridade, porque a própria Câmara de Cacoal tem feito malabarismos colossais para justificar a vacinação em pessoas que não constam no rol de prioridades, fechando os olhos para os critérios definidos pelo PNI. A lentidão com que o Ministério da Saúde trabalha nos permite pensar que a vacina para todos, como seria numa país comunista, não acontecerá nos próximos três ou quatro anos. Por enquanto, teremos que nos conformar com a realidade, assistir de camarote o fortalecimento do sistema de fura-fila e torcer para não contrair a covid-19, porque a doença é para todos; mas a vacina ainda é privilégio de poucos… Tenho dito!!!
FRANCISCO XAVIER GOMES – Professor da Rede Estadual e Articulista