Os novos casos e as mortes por câncer do colo do útero ocorrem de maneira desigual entre as diferentes regiões do Brasil
Por FOLHAPRESS – O câncer do colo do útero é o terceiro mais frequente entre a população feminina do país. De acordo com o Inca (Instituto Nacional de Câncer), a estimativa é de 17 mil novas ocorrências em 2023, atrás apenas do câncer de mama e do câncer de cólon e reto, com mais de 73 mil e 23 mil novos casos estimados. No entanto, os novos casos e as mortes por câncer do colo do útero ocorrem de maneira desigual entre as diferentes regiões do Brasil.
Segundo o Inca, o maior número de casos novos, em 2022, ocorreu na região Norte, onde a taxa de incidência, ajustada pela população mundial, foi de 16,7 casos novos a cada 100 mil mulheres. A segunda maior taxa foi a do Nordeste, de 13,85/100 mil.
A menor incidência registrada no país foi a da região Sudeste, com taxa de 8,57/100 mil, pouco mais da metade do que foi observado na região Norte. No Centro-Oeste, a incidência de novos casos foi de 11,09/100 mil e no Sul de 9,77/100 mil.
Os dados de mortalidade geral por câncer de 2020, disponibilizados pelo instituto, mostram o do colo do útero como a primeira causa de óbito oncológico entre mulheres no Norte (15,7%), a terceira no Nordeste (8,2%) e no Centro-Oeste (7,6%), a quinta no Sul (4,8%) e a sexta no Sudeste (4,3%).
Quase todos os casos são atribuídos à infecção prévia pelo papilomavírus humano (HPV), segundo a OPAS/OMS (Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde). O contato com o vírus também pode levar ao desenvolvimento de outros tipos de câncer, como de vagina, vulva, pênis, ânus e orofaringe (garganta), além de verrugas genitais.
Segundo especialistas, há duas razões principais para essas discrepâncias: falta de rastreamento efetivo para diagnóstico em estágios iniciais e dificuldades para iniciar o tratamento. Para reduzir esse gargalo, uma importante aliada é a vacinação contra HPV, disponível pelo SUS, na formulação quadrivalente, desde 2014.
A redução dos casos após a introdução dessa vacina no SUS só será percebida nos próximos anos. Isso porque as células infectadas levam, em média, entre 15 e 20 anos para formar um tumor. No médio a longo prazo, uma estratégia abrangente de imunização contra o HPV poderá ajudar também a diminuir as desigualdades entre as regiões do país.
A médica Flavia Corrêa, pesquisadora da divisão de detecção precoce do Inca, explica que identificar as ocorrências cedo é tão importante quanto a prevenção por meio da vacinação, por aumentar as chances de um bom prognóstico.
No Brasil, o exame preventivo citopatológico (papanicolau), disponível no SUS, é usado para descobrir, ainda em estágios iniciais, mudanças nas células cervicais que podem evoluir para um câncer.
O preventivo é oferecido pelo sistema público de saúde e indicado para mulheres entre 25 e 64 anos, que já tenham tido relação sexual. Após dois exames anuais negativos, a recomendação é que o intervalo entre os exames seja de três anos.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde, de 2019, as maiores porcentagens de mulheres que nunca realizaram o exame estão no Nordeste (8,6%), no Norte (8,5%) e no Centro-Oeste (7%). Já o Sudeste e o Sul tiveram as menores taxas, ambos com 4,5%.
Juntando as regiões, em todo o Brasil, cerca de 71% daquelas que nunca fizeram o papanicolau estão na camada mais pobre, com renda per capita de até um salário mínimo. Além disso, 63% são negras (pretas e pardas), conforme a mais recente edição do boletim científico da Fundação do Câncer.
Uma das principais dificuldades para o acesso ao teste é conciliar emprego, trabalho doméstico e o cuidado com a saúde. A locomoção até um posto de saúde é outro obstáculo, segundo Corrêa.
Vanessa Montes, coordenadora médica da oncologia clínica do Hospital Israelita Albert Einstein, explica que a vacinação não exclui a necessidade de realização do teste.
“A vacina e o exame são complementares, considerando-se que há inúmeros tipos de HPV e a vacina [quadrivalente] só cobre quatro deles [6, 11, 16 e 18] “. Juntos, HPV16 e HPV18 são responsáveis por 70% dos casos globais de câncer do colo do útero, ao passo que HPV6 e HPV11 causam aproximadamente 90% das verrugas genitais.
Em 2022, as coberturas vacinais para HPV, entre a população feminina, foram de 75,91% para a primeira dose e 57,44% para a segunda, de acordo com o Ministério da Saúde. A meta do PNI (Programa Nacional de Imunizações) é de 80%.
Para Daniel Jarovsky, professor da faculdade de medicina da Santa Casa de São Paulo e consultor médico em imunizações do Fleury, alguns mitos atrapalham a procura pelo imunizante, como a falsa ideia de que a vacinação em jovens induz a iniciação sexual precoce.
“O HPV é transmitido por relação sexual e os estudos mostram que o indivíduo vacinado tem comportamento sexual mais seguro”. Jarovsky explica também que a resposta imune é mais forte em crianças e adolescentes jovens.
Carla Domingues, socióloga e epidemiologista que coordenou o PNI entre 2011 e 2019, aponta múltiplas causas para a baixa cobertura. Entre elas estão a falta de conscientização dos pais, a disseminação de desinformação nas redes sociais, dificuldades no acesso aos serviços, obstáculos para operacionalizar campanhas nos municípios e para registrar as doses administradas.
Unir educação e vacinação nas escolas já ajudou a elevar as coberturas no Brasil e em outros países. Para Domingues, essa é uma estratégia exitosa porque, de forma geral, o sistema de saúde tem dificuldade em atrair adolescentes.
Para ampliar o índice de imunização no país, especialistas afirmam ainda que é preciso promover ações em pequenos núcleos, por meio de parcerias. Uma delas é o projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais, da Fiocruz, em parceria com o PNI e a SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).
A médica Lurdinha Maia, coordenadora do projeto, explica que as estratégias são definidas em colaboração com as equipes de imunização e atenção primária em cada território.
“Na Paraíba fizemos uma parceria com a Cufa (Central Única das Favelas) e trabalhamos com a formação de jovens repórteres. No Amapá nós entramos em contato com o Programa de Educação Tutorial Indígena da Unifap (Universidade Federal do Amapá). Lá o trabalho desenvolvido utiliza o teatro do oprimido [método que visa ampliar a expressão e participação social].”
Indicações para a vacina contra HPV
Para meninas e meninos de 9 a 14 anos: duas doses, com intervalo de seis meses A partir de 15 anos: três doses, com intervalos de um a dois meses entre a primeira e a segunda, seguidas de um intervalo de seis meses entre a primeira e a terceira Pessoas imunossuprimidas de 9 a 45 anos (que vivem com HIV, Aids, receberam transplantes de órgãos sólidos ou medula óssea e pacientes oncológicos): esquema de três doses, independente da idade Vítimas de violência sexual recebem um dos esquemas acima, a depender da idade e presença ou não de imunossupressão.