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Coluna do Xavier – Cacoal: As Famílias, a Natura e o Dia Dos Pais… (31/07/2020)

A recente decisão tomada pela empresa Natura, em relação à campanha publicitária do Dia dos Pais, alimentou uma discussão que claramente envolve alguns dos sentimentos mais sólidos arraigados na cultura brasileira, mas costumam ficar escondidos embaixo do tapete da hipocrisia, da dissimulação e da seletividade com que os conceitos são construídos, em tempos de tetina fálica, terraplanismo e milícia digital. Imediatamente após a empresa anunciar  um homem transgênero para reforçar o sentimento de mercantilização da data aludida, os ataques foram disparados em todas as redes sociais, como se a Natura tivesse a obrigação de sustentar a transfobia, a falsidade e o preconceito. Claro que nossa urbe anisiense não poderia ficar de fora, porque a família e os bons costumes não podem ser relegados a segundo plano na Capital do Café…

Inicialmente, precisamos relembrar o conceito de família. Porém, não podemos levar em conta os conceitos preconceituosos estabelecidos por determinados grupos sociais e nem mesmo o conceito bíblico, porque a bíblia não é referência para todas as religiões ou famílias. Então, melhor partir de uma concepção mais ampla, como registrou o lexicógrafo e filólogo Antônio Houaiss, ao informar que família é um “núcleo social de pessoas unidas por laços afetivos, que geralmente compartilham o mesmo espaço e mantêm entre si uma relação solidária“. Esse parece ser o conceito mais abrangente e cabível para o caso do Brasil, em função da imensa diversidade cultural e social que temos no nosso país. Vale observar que o conceito não estabelece nenhuma pessoa como sendo inferior e não existe a violência no conceito de família dado por Houaiss. Assim, aquele tipo de ambiente onde há agressões está longe do significado da palavra estabelecido no dicionário. A violência não pode ser aceita na sociedade, muito menos no núcleo familiar. Entretanto, infelizmente, para muitas pessoas, a mulher é um ser humano inferior e o homem é a referência do mundo. Por esta razão, o padrão de família acaba sendo imposto por quem se acha dono da verdade, por quem deseja o mundo sob sua interpretação e por donos de religiões. Lamentavelmente, o Brasil está cheio de donos de religiões…

O maior problema enfrentado pela Natura é de caráter eclesiástico, ainda que o cristianismo praticado no Brasil seja absolutamente decadente e partidarizado. Muitos homens socialmente héteros se consideram superiores aos homens transgêneros, mas o fato de um homem ser cisgênero não o faz melhor do que ninguém. O conceito de família para pessoas cisgêneras pode ser diferente do conceito adotado e praticado por pessoas transgêneras. O curioso é que muitas famílias de casais héteros completamente desestruturadas tentam condenar as famílias homoafetivas, como se fossem verdadeiros donos da verdade. Apenas para citar um exemplo, o presidente da república tenta impor um modelo de família completamente sem estrutura e muita gente segue cegamente. Qual a vantagem que existe entre um homem que troca de mulheres como troca de partidos e a família contratada pela Natura? Por que as pessoas são obrigadas a seguir o exemplo da família do presidente, que tem uma estrutura nitidamente falida??? Por que alguém tem que seguir o padrão de uma família que prega o ódio e a intolerância??? A Natura resolveu contratar o ator Tammy Miranda, porque ele prega o amor, a harmonia em família, o afeto, o carinho pelo filho e pela esposa… Qual o problema nisso??? O que tem de errado em pregar o amor?? Certamente o filho de Tammy Miranda terá um dia dos pais sem violência, sem discórdia, sem desamor; enquanto muitas famílias ditas “tradicionais” terão que fingir que se amam, que vivem em harmonia e que possuem um lar de muito amor…

A Natura é uma empresa que tem 50 anos de existência e está em mais e 70 países, porém nem mesmo essa solidez de mercado impede as pessoas de tentarem determinar que padrão social a empresa deve seguir. Uma empresa que tenha esse perfil tem todo o direito de escolher o homem que bem entender para fazer seus comerciais do dia dos pais ou de outras datas. Não existe nenhuma ilegalidade em contratar um homem transgênero para fazer propaganda da empresa. Esse episódio nos faz lembrar da personagem Paulo, da obra Esaú e Jacó, do brilhante Machado de Assis, nos primeiros anos do século XX. Em determinado ponto da obra, Paulo faz a seguinte declaração: “… a abolição é a aurora da liberdade, esperemos o sol emancipado e negro; basta emancipar o branco…” ( a obra tem mais de 100 anos). Certamente os dois filósofos da honestidade conhecem a obra citada. Aplicando a analogia machadiana, podemos afirmar que o Brasil emancipou os transgêneros; falta emancipar os cisgêneros…  Enquanto as pessoas condenam Tammy Miranda e a Natura, que não cometeram absolutamente nenhum crime, ficamos na torcida para que nosso país se livre da pandemia e possa comemorar o dia dos pais em 2021, sem a Covid-19, sem a transfobia, sem o fanatismo religioso e sem o preconceito…  Tenho dito!!!!

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