Desde que o presidente Jair Bolsonaro (PL) foi derrotado nas urnas em sua tentativa de reeleição, seus apoiadores, boa parte deles caminhoneiros, fecharam estradas pelo país.
Até a manhã desta terça-feira (01/11), eram mais de 300 bloqueios, em rodovias federais e estaduais, em 24 Estados e no Distrito Federal, apesar da determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) para o desbloqueio das vias.
Apesar dos protestos não serem apenas de caminhoneiros – e nem todos concordarem com as ações -, a categoria tem papel importante no movimento e, em sua maioria, apoiou a campanha de Bolsonaro.
Os caminhoneiros também exercem frequentemente pressão sobre o governo e, desde o início do mandato de Bolsonaro têm recebido acenos do presidente como uma base eleitoral importante.
Segundo o cientista político Francisco Fonseca, professor da FGV/Eaesp e da PUC-SP, a categoria se tornou uma importante base eleitoral para o presidente principalmente por conta de algumas das pautas defendidas por Bolsonaro – como a facilitação do acesso a armas de fogo e a pauta de costumes – e após reiteradas declarações e acenos em favor da diminuição do preço dos combustíveis.
“Historicamente, a pauta que mais atraía os caminhoneiros era a corporativa, de melhoria das condições de vida e das estradas – afinal eles são trabalhadores como muitos outros”, afirmou Fonseca a BBC News Brasil.
“O movimento de alinhamento de parte desse grupo ao bolsonarismo e à direita é algo mais recente e pode desaparecer uma vez que Lula assuma o poder e faça concessões à categoria, como por exemplo desassociar os preços praticados pela Petrobras do petróleo internacional.”
O analista lembra, porém, que os caminhoneiros não são necessariamente um grupo homogêneo que apoia sempre as mesmas ideias.
Mesmo as atuais manifestações têm dividido a categoria – a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL), uma das entidades que representam o grupo, criticou as ações.
Acesso a armas e pauta de costumes
Para Fonseca, a promoção de diversas ações que facilitaram o acesso de civis a armas e munições e as declarações de Bolsonaro sobre o tema podem atrair parte da categoria.
“O discurso passa uma falsa sensação de que os caminhoneiros, que muitas vezes transitam por estradas afastadas e dormem em locais perigosos, estariam mais protegidos portando uma arma”, diz.
Além disso, segundo o cientista político, o ambiente em que os caminhoneiros trabalham é muito dominado por homens e, por vezes, machista e patriarcal. “As ideias sobre família, gênero e religião defendidas por Jair Bolsonaro podem penetrar com mais facilidade nesse contexto.”
Benefícios
Parte do apoio da categoria também advém dos muitos benefícios e concessões feitas pelo Planalto ao longo dos últimos quatro anos.
Segundo Francisco Fonseca, muitas das medidas aprovadas são superficiais e provisórias, mas podem ter atraído a atenção dos caminhoneiros.
A seguir, a BBC News Brasil listou algumas das principais ações e os benefícios concedidos pelo atual governo que impulsionam o apoio do grupo.
1. Redução das tarifas sobre o combustível
No final de junho, entrou em vigor no Brasil a legislação que limita as alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Produtos (ICMS) que incidem sobre itens considerados essenciais — como combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo.
Sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro após longas discussões e uma tramitação demorada no Congresso, a proposta determina que Estados limitem a cobrança do tributo, que é estadual, à alíquota mínima de cada Estado, que varia entre 17% e 18%.
Ao mesmo tempo, o governo também zerou as alíquotas da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) — dois tributos federais — para os combustíveis.
As mudanças impactaram diretamente no preço dos combustíveis nos postos e agradaram muitos caminhoneiros que dependem do diesel para trabalhar.
2. Trocas na Petrobras
Desde abril de 2021, a Petrobras já teve quatro presidentes distintos. As mudanças representam um aceno do presidente Jair Bolsonaro à população – e aos caminhoneiros – de que está buscando uma solução para o aumento nos preços dos combustíveis.
Em março de 2021, quando se deu a primeira troca de comando pelo governo de Jair Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu que se tratava de uma “satisfação política” do presidente aos caminhoneiros.
O economista Roberto Castello Branco foi removido do cargo diante de ameaças de uma greve da categoria em função do aumento nos preços dos combustíveis na época. Pouco antes de sua demissão, Castello Branco chegou a dizer que a insatisfação dos caminhoneiros com a questão não era um “problema da Petrobras”.
“Para o público caminhoneiro, que são eleitores típicos, fiéis do presidente Bolsonaro, o presidente deu uma satisfação: tirei o cara que disse que não liga para vocês”, disse Guedes na ocasião, em entrevista ao programa Pingos Nos Is, da Jovem Pan.
O substituto de Castello Branco, o general da reserva Joaquim Silva e Luna, ficou no cargo até abril de 2022, quando a estatal passou a subir novamente os preços do diesel e da gasolina como reflexo da alta do preço do barril de petróleo no mercado internacional com a guerra na Ucrânia.
Silva e Luna, foi criticado por Bolsonaro por sua condução e substituído pelo empresário José Mauro Ferreira Coelho. Porém, pouco mais de dois meses após assumir, ele anunciou sua demissão.
No final de junho, o executivo Caio Mario Paes de Andrade foi nomeado pelo governo.
3. Auxílio caminhoneiro
O chamado Auxílio Caminhoneiro, que faz parte do pacote social pré-eleitoral criado pela chamada PEC Kamikaze, também é visto como um aceno que pode ter levado a categoria a apoiar Jair Bolsonaro durante e após as eleições.
A Proposta de Emenda à Constituição foi promulgada pelo Congresso no dia 14 de julho e seu custo total chega a R$ 41,2 bilhões – além do auxílio para os caminhoneiros, o pacote também aumentou o valor do Auxílio Brasil e ampliou o vale-gás, entre outros pontos.
O Auxílio Caminhoneiro, em particular, prevê o pagamento de de R$ 1 mil mensais, entre julho e dezembro deste ano.
Têm direito ao benefício os transportadores autônomos de cargas com a situação cadastral “Ativo” no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTR-C) e que estão com a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e o CPF válidos.
4. Mudanças na tabela de frete
Em maio, o governo de Bolsonaro também editou uma medida provisória para reduzir o percentual de variação do preço de óleo diesel que serve como gatilho para a revisão dos valores da tabela de frete do transporte rodoviário de cargas.
Com a medida, que está em vigor desde que foi editada, mas só foi aprovada pelo Senado no final de agosto, a tabela de frete passou a ser revisada cada vez que ocorrer variação de 5% no preço do diesel.
Antes, o reajuste ocorria apenas quando houvesse elevação de 10%, ou a cada seis meses.
A MP alterou a Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, criada em agosto de 2018 em razão da greve dos caminhoneiros.
Na ocasião, a categoria fez uma paralisação em todo o país reivindicando, entre outros pontos, a criação de uma tabela com os preços mínimos do frete. O valor mínimo leva em consideração, entre outros itens, gastos por quilômetro rodado e características das cargas.
Ao justificar a medida, o governo argumentou que a metodologia antiga se mostrava “insuficiente” para superar a elevação do preço do diesel.
5. Linhas de crédito
O governo também investiu em linhas de créditos destinadas exclusivamente aos caminhoneiros.
Em fevereiro deste ano, a Caixa lançou a Giro Caixa Transportes. O mecanismo de empréstimo permitirá aos caminhoneiros autônomos tomarem dinheiro com até 120 dias de antecedência para bancar os custos do transporte do frete.
Pouco depois, em abril, o Banco do Brasil anunciou um serviço semelhante, chamado “BB Antecipa Frete”.
O presidente Jair Bolsonaro participou das cerimônias de lançamento de ambas as linhas de crédito.
6. Promessa de abrigo grátis
Em fevereiro deste ano, Bolsonaro chegou a prometer em um vídeo divulgado em suas redes sociais que tentaria intervir para que os postos de gasolina sejam obrigados a abrigar gratuitamente o descanso de caminhoneiros nas estradas.
O vídeo foi gravado depois de uma viagem de Bolsonaro pelo Distrito Federal. No caminho, ele conversou com caminhoneiros e ouviu diversas críticas.
Alguns representantes da categoria se queixaram que postos de combustível estavam autorizando a pernoite do caminhão no local apenas mediante ao abastecimento ou pagamento de uma taxa.
“Conversei com um caminhoneiro aqui e ele reclamou que tem local do Brasil que, para dormir à noite no posto, só se abastecer ou se pagar em torno de R$ 25”, diz Bolsonaro no vídeo. O presidente chegou a ligar para o ministro da Justiça, Anderson Torres, para pedir que ele autue os postos envolvidos.
Cerca de três dias depois, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), notificou os representantes de revendedores de combustíveis sobre a suposta cobrança.
Segundo a Senacon, os postos podem implantar locais de repouso e descanso para caminhoneiros, mas não podem condicionar a prestação do serviço ao abastecimento de combustível. Já a cobrança pela pernoite é permitida.
O posicionamento do presidente, porém, irritou entidades representantes dos postos, que alegaram que são os donos dos postos que investem na infraestrutura para garantir área de estacionamento, banheiro, refeitórios e segurança para os caminhoneiros.