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quarta-feira, dezembro 18, 2024

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Como viagem de Darwin ao Brasil influenciou a Teoria da Evolução

“A mente é um caos de deleites.”

Essa foi a frase que Charles Darwin (1809-1882) usou para expressar o que sentiu ao se aventurar pela primeira vez numa floresta tropical no Brasil.

“Quando os olhos tentam seguir o voo de uma vistosa borboleta, são atraídos por alguma árvore ou fruta exótica. Se observam um inseto, esquecem-se dele ao contemplar a flor peculiar sobre a qual rasteja”, detalhou ele em seu diário.

O naturalista inglês, célebre pela obra A Origem das Espécies, em que descreveu em detalhes a Teoria da Evolução, passou pelo Brasil por duas ocasiões, em 1832 e 1836.

De acordo com essa teoria, há uma luta pela sobrevivência na natureza, mas aquele que sobrevive não é necessariamente o mais forte e, sim, o que melhor se adapta às condições do ambiente em que vive.

Durante esses anos, ele integrou a tripulação do navio HMS Beagle, que fazia levantamentos costeiros e cartográficos de certas regiões da América do Sul.

A expedição começou em dezembro de 1831 em Plymouth, no Reino Unido, margeou ilhas europeias e africanas, chegou ao Brasil, “desceu” para Uruguai e Argentina, cruzou o Estreito de Magalhães, passou por Chile e Peru, aportou em Galápagos, foi para a Oceania e África do Sul, e precisou passar de novo pelo nordeste brasileiro antes de voltar para casa em 1836.

Durante todo esse tempo, Darwin fez observações e coletou muitos animais, plantas e minerais, além de escrever diversas cartas para colegas e familiares. Não há dúvidas de que a expedição de quatro anos e meio foi fundamental para que ele tivesse muitas ideias e posteriormente pudesse realizar os experimentos que culminaram na Teoria da Evolução.

Mas e o Brasil? Como a passagem por locais como Fernando de Noronha, Salvador, Recife e Rio de Janeiro inspiraram e influenciaram o trabalho do cientista inglês?

Para o jornalista Pedro Alencastro, responsável pela tradução e organização do livro Darwin no Brasil, lançado recentemente pela Editora Duas Aspas, não há dúvidas de que a passagem do naturalista por terras brasileiras foi decisiva para o trabalho que revolucionaria a Biologia.

“O Brasil foi muito importante para Darwin, porque ele tinha um grande desejo de conhecer florestas tropicais e desde cedo demonstrava um interesse muito grande pela América do Sul”, afirma ele.

“Ao chegar em locais como Fernando de Noronha, Salvador e Rio de Janeiro, ele teve a real percepção sobre o que é a floresta tropical e de como podem existir tantas espécies diferentes”, complementa o tradutor.

A bióloga Shirley Noely Hauff destaca que, até então, o jovem cientista inglês estava acostumado com os ambientes do Reino Unido, cuja biodiversidade é bem mais limitada quando comparada a do Brasil.

A especialista brasileira fez parte de um projeto capitaneado pela Universidade de Brasília (UnB) e outras instituições que, entre 2015 e 2016, refez parte da viagem de Darwin pela América Latina.O biólogo Nelio Bizzo, professor titular sênior da Universidade de São Paulo (USP), concorda com a avaliação dos colegas.

“O que está registrado no diário de Darwin é o espanto que ele teve com a biodiversidade brasileira, particularmente com a biodiversidade vegetal”, detalha o especialista, que trabalhou nas duas mais recentes traduções d’A Origem das Espécies para o português, lançadas pelas editoras Martin Claret e Edipro.

“Darwin tinha o naturalista alemão Alexander von Humboldt (1769–1859) como um grande ídolo”, descreve Bizzo.

À época, Humboldt fora proibido de entrar no Brasil porque suspeitava-se que ele era espião, mas as expedições do alemão pela América Latina espanhola — e os relatos que compartilhou em livros, artigos e cartas — fascinaram e influenciaram os amantes de História Natural na Europa.

“Darwin já tinha uma noção do que era uma floresta tropical. Mas quando ele viu de fato aquela diversidade toda, ficou muito emocionado”, diz Bizzo.

Mata Atlântica
Andar numa floresta tropical deixou Darwin deslumbrado

Por onde Darwin passou e o que viu

O primeiro contato do naturalista com o território brasileiro aconteceu em fevereiro de 1832, quando o HMS Beagle alcançou o Arquipélago de São Pedro e São Paulo, um pequeno conjunto de ilhéus rochosos no meio do Atlântico.

Dias depois, a viagem seguiu em direção a Fernando de Noronha e logo se aproximou de Salvador, onde permaneceu por várias semanas.

No início de abril de 1832, a expedição aportou no Rio de Janeiro, a então capital brasileira. Você pode ver todas as localizações e datas no mapa a seguir:

Dali, o navio seguiu em direção a Montevidéu, no Uruguai.

Como explicado anteriormente, o Beagle precisou retornar ao Brasil em 1836. A princípio, a ideia dos viajantes era margear a costa da África e retornar diretamente à Europa.

Mas houve a necessidade de fazer alguns reparos, o que exigiu uma parada em Salvador e Recife durante algumas semanas de agosto daquele ano — Darwin até escreveu cartas em que desabafou estar com saudades de casa.

Como a embarcação ficava muito tempo parada em cada local, o pesquisador tinha a oportunidade de fazer caminhadas e expedições em terra firme. Muitas vezes, ele passava dias ou até semanas em viagens exploratórias por terra.

Ele ficou em Salvador, por exemplo, entre 29 de fevereiro e 17 de março de 1832. No Rio de Janeiro, mais uma estadia prolongada, de dois meses: Darwin esteve na então capital brasileira entre 4 de abril e 5 de junho daquele mesmo ano.

Porém, mesmo nos locais em que as visitas eram mais ligeiras, o cientista dava um jeito de fazer observações e pesquisas. Foi o caso do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, onde Darwin fez reflexões sobre geologia.

“A constituição mineralógica do terreno não é simples. Em algumas partes a rocha é de quartzo, noutras é de natureza feldspática, com finos veios de serpentina”, escreveu no diário.

Ele também notou as aves, algas e peixes que habitam os arredores dos rochedos — e reparou na ausência de espécies de plantas ali.

“De certa maneira, o Arquipélago de São Pedro e São Paulo foi o local em que Darwin começou a pensar na questão do isolamento geográfico das ilhas e das espécies que se desenvolvem nesses locais. Isso foi algo que ele observou com mais intensidade posteriormente em Galápagos”, pontua Alencastro.

Em Fernando de Noronha, as análises geológicas prosseguiram. Depois, em Salvador, o naturalista inglês fez a tão aguardada visita à floresta tropical.

Em 29 de fevereiro, ele anotou: “O dia transcorreu deliciosamente. Mas esse talvez seja um termo pobre para expressar as emoções de um naturalista que, pela primeira vez, aventurou-se sozinho em uma floresta brasileira. A elegância da relva, o inusitado das plantas parasitas, a beleza das flores, o verde brilhante das folhagens e, acima de tudo, a exuberância do ambiente me encheram de admiração.”

“Uma mistura paradoxal de som e silêncio se espalha nas profundezas da mata”, notou.

Bizzo lembra que Darwin teve uma formação conservadora. “Ele era um cientista que havia estudado Teologia Natural, que reforçava a perfeição do mundo e da natureza. Essa perfeição é concebível num ambiente com poucos elementos. Mas como é possível conceber tal perfeição num contexto da floresta tropical, em que milhares de espécies se concentram num mesmo lugar? Como elas se harmonizam perfeitamente?”, questiona o biólogo.

“Essa abundância exige uma contabilidade muito mais complexa para ser compreendida”, constata ele.

No Rio de Janeiro, Darwin teve a oportunidade de ir até a cidade de Cabo Frio, onde conheceu a propriedade de um inglês.

Uma observação importante que o naturalista fez em terras fluminenses foi a de um macaco dos trópicos, o primeiro que ele viu em carne e osso.

“O animal estava morto, mas continuava enrolado pelo rabo a um galho”, descreve Alencastro.

“Essa cena causou uma forte impressão em Darwin, e ele depois escreveu sobre como as caudas evoluíram nos animais terrestres e qual a função dessa estrutura em diferentes espécies”, complementa o tradutor.

Ao deixar o Brasil, Darwin seguiu para Montevidéu, no Uruguai. Nas paradas seguintes, ele reuniu objetos e artefatos que poderia facilmente encontrar também na Região Sul do Brasil, nas áreas dos Pampas.

“Um exemplo são os fósseis, principalmente aqueles coletados na Patagônia. Eles foram muito importantes para o desenvolvimento da Teoria da Evolução”, diz Alencastro.

“Nas suas obras, Darwin fez comparações e citou diversas vezes as descobertas de fósseis de mamíferos feitas pelo paleontólogo dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801-1880) na região de Lagoa Santa, Minas Gerais.”

Macaco
Ver um macaco pendurado pelo rabo no RJ fez Darwin refletir sobre a função das caudas em animais terrestres

Amou o Brasil, não curtiu os brasileiros

A leitura dos diários de Darwin revela que, em contraste ao deslumbre diante da floresta tropical, ele ficou bastante incomodado com o que viu da sociedade brasileira da época.

Isso se deve principalmente ao choque que o naturalista teve diante de um regime escravocrata — o Brasil só aboliu a servidão completamente mais de cinco décadas depois.

Num determinado trecho do diário, ele cita “as atrocidades que só poderiam acontecer num país escravagista”. Em outro, confessa que deseja nunca mais pisar num país escravocrata como o Brasil.

“Ele achou um absurdo a forma como as pessoas tratavam os outros”, lembra Hauff.

Darwin também reclamou dos modos dos brasileiros, que ele considerou excessivamente brutos e pouco corteses.

Bizzo lembra que, quando Darwin fez a expedição, o Brasil havia se tornado independente há uma década — e o Reino Unido só reconheceu essa condição de soberania alguns anos depois.

“Para que isso acontecesse, D. Pedro I precisou assinar um tratado com o Reino Unido que foi absolutamente humilhante, com a imposição de tarifas alfandegárias enormes sobre bens brasileiros e praticamente nenhum tributo sobre os produtos industrializados que vinham da Inglaterra”, contextualiza ele.

À época, o Reino Unido também impôs a necessidade de acabar com escravidão no Brasil e passou a monitorar o Atlântico para coibir o comércio de pessoas escravizadas vindas da África.

Todo esse contexto fez com que os britânicos não fossem bem quistos, principalmente nas grandes cidades brasileiras. “Quando Darwin chegou ao país, ele não foi bem recepcionado, ao contrário do que aconteceria hoje com um turista inglês. Ele estava ali como representante de uma potência mundial que havia imposto condições que incomodavam”, diz Bizzo.

O biólogo também destaca que Darwin vinha de uma família com posições progressistas.

“Susan, uma das irmãs de Darwin, não era apenas militante contra a escravidão, mas foi também uma das primeiras defensoras dos direitos dos animais e trabalhou para abolir o uso de algumas armadilhas de caça”, exemplifica o pesquisador.

Folha do livro A Origem das Espécies
Darwin fez pesquisas meticulosas antes de divulgar a Teoria da Evolução

O bom filho à casa torna

Sustos, horrores e problemas de relacionamento com brasileiros à parte, o naturalista retornou à Inglaterra depois de 4 anos e meio de viagem, em 1836.

Mas ele só publicaria A Origem das Espécies, livro que revolucionaria o mundo, 23 anos depois, em 1859.

Bizzo explica que Darwin saiu da Inglaterra sem ter desenvolvido a Teoria da Evolução — e retornou ao seu país sem ser um evolucionista.

“Não é verdade que ele elaborou a Teoria da Evolução durante a viagem no HMS Beagle. O que ele fez ao longo desse tempo foi coletar muito material e conhecer boa parte do mundo de um jeito que poucas pessoas conheciam naquela época”, esclarece o professor.

Os entrevistados pela BBC News Brasil descreveram Darwin como um pesquisador meticuloso, quase obsessivo, que fez os mais diversos experimentos antes de tornar pública a sua teoria.

“Darwin era um pesquisador metódico e observador”, caracteriza Hauff.

Um desses estudos, por exemplo, tentava desvendar quanto tempo as ovas de moluscos sobrevivem nas lamas grudadas nas patas de aves migratórias.

“Numa de suas experiências mais inventivas, Darwin colocou dois pés de pato, cortados na altura do joelho, dentro de um aquário cheio de caramujos de água doce. A ideia era simular uma ave dormindo com os pés enfiados numa lagoa, hábito comum de muitas espécies. Passado um tempo, ele retirou os pés do aquário, sacudiu os dois para imitar o voo de uma ave e pediu aos filhos, que tinham uma visão muito melhor, para contar quantos filhotes de caramujo encontrariam nelas”, descreve o livro Darwin no Brasil.

O naturalista também tornou-se um grande especialista em cracas, organismos marinhos que se instalam em rochas — alguns dos trabalhos que ele publicou sobre esses seres continuam atuais até hoje.

“Ele estudou cracas por cerca de oito anos, e mesmo atualmente é bem difícil trabalhar com essa espécie”, estima Hauff.

“Darwin fez tudo isso porque não queria dar brecha nenhuma, pois tinha muito receio de como as ideias seriam recebidas e questionadas com a religiosidade e a moral da época”, avalia Alencastro.

“Por isso, ele sempre procurou se cercar do máximo de evidências possíveis, que iam desde as experiências caseiras até correspondências que trocou com especialistas do mundo inteiro”, conclui ele. (BBC)

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