A Stanley, fabricante de copos térmicos que se tornaram uma sensação em vários países, virou alvo de preocupação nessa semana.
Usuários nas redes sociais, principalmente no TikTok e Instagram, têm compartilhado vídeos mostrando resultados de testes de chumbo em casa, e os resultados preocuparam fiéis consumidores da marca.
Dezenas de pessoas estão postando vídeos alegando que seus copos testaram positivo para chumbo.
Muitas vezes, não fica claro nos vídeos quais testes caseiros de chumbo esses consumidores estão usando. Para serem certificados pela Agência de Proteção Ambiental americana (EPA, na sigla em inglês), por exemplo, esses testes devem ter um resultado preciso em 95% das vezes.
Os testes caseiros de chumbo para água potável são menos confiáveis.
“A marca utiliza um processo de fabricação que segue o padrão global da indústria para realizar o selamento na parede externa e garantir o isolamento a vácuo. Este material de vedação inclui uma parcela de chumbo em sua composição. No entanto, uma vez selada, esta área é coberta por uma camada não removível de aço inoxidável, tornando-a inacessível aos consumidores”, disse a empresa, por meio de sua assessoria de imprensa no Brasil.
“Na rara ocorrência desta tampa de inox se soltar, devido a algum caso extremo, possivelmente expondo o selante, este continuará sem contato com o conteúdo, sendo o produto devidamente coberto pela Garantia Vitalícia oferecida a todos os itens Stanley”, afirmou.
Por que chumbo causa tanto alerta
Até que ponto os consumidores devem preocupar-se com o chumbo nos produtos, especialmente naqueles utilizados para comer e beber?
A exposição ao chumbo tem consequências para a saúde bem documentadas, especialmente para as crianças.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), “não existe concentração segura de chumbo no sangue”.
Mesmo quantidades minúsculas encontradas no sangue “podem estar associadas à diminuição da inteligência em crianças, dificuldades comportamentais e problemas de aprendizagem”.
De acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, a exposição ao chumbo também pode causar problemas de crescimento, na audição e fala, além de danos ao sistema nervoso.
Em adultos, a exposição ao chumbo pode causar hipertensão, problemas cardiovasculares e muitos outros.
O metal é perigoso também para grávidas porque pode chegar até o feto e está associado a um alto risco de aborto espontâneo. Além disso, o envenenamento por chumbo pode ser fatal.
Nos EUA, há várias leis estaduais e nacionais que ajudaram a reduzir drasticamente a quantidade de chumbo ao qual as pessoas estão expostas, mas ele ainda é encontrado em alguns produtos.
O local mais comum onde o metal ainda é encontrado no país é em tintas à base de chumbo em casas construídas antes de 1978 — quando esse tipo de produto foi proibido no país. O CDC também faz recalls de produtos com chumbo que tenham tido algum risco demonstrado.
No Reino Unido, canos contendo chumbo foram proibidos na década de 1970, mas a venda de tinta com chumbo só foi proibida em 1992.
Como é no Brasil?
Em 2021, uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a utilização do chumbo em produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes — com exceção de seu resquício como impureza em corantes orgânicos artificiais e de acetato de chumbo em tinturas capilares.
Tanto no caso dos corantes quanto das tinturas, a norma define um limite máximo para os compostos de chumbo.
Outra preocupação é com a presença do chumbo nos alimentos, após estes entrarem em contato com o metal por meio de equipamentos industriais e embalagens.
Uma norma da Anvisa de 2022 definiu os “limites toleráveis” de chumbo em diferentes categorias de alimentos — os limites mais rigorosos, segundo a agência, foram definidos para alimentos destinados a crianças pequenas.
Sobre os canos de chumbo, proibidos nos EUA e no Reino Unido, a BBC News Brasil não conseguiu verificar se há regra semelhante por aqui.
De todo modo, a professora Kelly Olympio, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), afirma que não é mais comum que imóveis construídos recentemente usem esse tipo de encanamento.
“A maior parte das construções atualmente tem encanamento de plástico, então a nossa preocupação é com casas muito antigas”, diz Olympio, doutora em saúde pública.
Nesses casos, quando há encanamento metálico, a pesquisadora orienta que a primeira água da manhã seja despejada em um balde, deixada ali por dois minutos e depois usada para a limpeza do local — para que não haja desperdício da água, mas tampouco consumo de líquido contaminado.
“Essa água que fica parada no cano durante toda a madrugada acaba tendo uma concentração elevada do chumbo”, aponta a professora, que já fez várias pesquisas, inclusive na tese de doutorado, sobre o impacto do metal para a saúde.
Olympio explica que há “pouquíssimos” levantamentos científicos sobre a exposição ao chumbo na América Latina e no Caribe — mas há uma fonte de bem conhecida, mesmo que também carente de estudos científicos.
“Um grande problema é que as pessoas deixam baterias nos quintais das casas e abrem no intuito de reutilizar. Isso pode causar contaminação das famílias”, aponta a pesquisadora, responsável por um projeto de prevenção à contaminação de chumbo que inclui jogos online para crianças.
Comparado aos EUA, o Brasil tem sim atrasos no controle do chumbo por meio de leis e monitoramento, responde a pesquisadora.
Ela cita que, enquanto o Brasil limitou em 600 ppm a quantidade de chumbo em tintas no ano de 2008, no ano seguinte os EUA limitaram para um valor bem menor, 90 ppm.
“Nos Estados Unidos, existe uma força-tarefa desde a década de 1960 para eliminar a exposição da população ao chumbo. Para você ter uma ideia, eles fazem o abatimento de casas antigas tanto por causa do encanamento quanto da tinta usada na época, que tinha uma concentração elevadíssima, principalmente as tintas brancas.”
“É necessário que as empresas sejam certificadas para fazer a reforma desses dessas construções”, exemplifica.
Por meio da assessoria de imprensa, a Anvisa afirmou que sua fiscalização é feita com “medidas de controle pós-mercado”, ou seja, para “verificar se os estabelecimentos e produtos comercializados estão de acordo com as regras que constam na legislação”.
Já o controle dos alimentos é “prioritariamente exercido pelos órgãos locais”, completou a agência.
Afinal, caso Stanley preocupa?
Quando se trata dos produtos Stanley, porém, os especialistas não se mostraram tão preocupados.
Jack Caravanos, professor de saúde pública da Universidade de Nova York que estuda os efeitos da exposição ao chumbo, testou ele mesmo três dos copos e não encontrou chumbo.
Ele disse que até tentou abrir o copo para testar o interior, mas não conseguiu.
“Tive problemas para detectá-lo [o chumbo] e não consegui encontrá-lo usando equipamentos de última geração”.
Caravanos explica que isso provavelmente ocorre porque o chumbo estava “muito fundo dentro do item”, o que significa que seria muito difícil ser exposto a ele ou ingeri-lo.
Embora afirme não estar preocupado em usar o seu próprio copo Stanley, o professor questiona o fato de as empresas ainda usarem chumbo para fabricar seus produtos.
Ele menciona que, na Califórnia, de acordo com a Proposição 65 (conhecida também como Prop 65), os produtos vendidos no Estado americano precisam divulgar se contêm até mesmo vestígios de chumbo.
Em nota, a Stanley afirmou que “seus produtos atendem a todas as exigências regulatórias dos EUA e Europa, incluindo a Prop65”.
Patty Davis, secretária de imprensa da Comissão de Segurança de Produtos de Consumo dos EUA, diz que embora não possa comentar sobre a presença do chumbo nos produtos Stanley, itens similares de outras empresas com “níveis excessivos de chumbo”, como um copo infantil na internet, foram recolhidos recentemente pela entidade. (BBC)