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quarta-feira, dezembro 18, 2024

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Do Aripuanã à linha 12, Paiter Suruís têm longa história a contar

SURUÍ PAINTER PI SETE DE SETEMBRO 1982

TERRA INDÍGENA PAITER SURUÍ, Cacoal – O que será que eles querem com a gente? – perguntava a jovem de 22 anos Manganogan, hoje com 75 anos, quando um grupo de brancos pendurou facões num varal onde se situa a linha 12 na Terra Indígena Paiter Suruí. Perplexos, os índios acumulavam mudanças causadas pelo nomadismo forçado desde a região do Aripuanã (MT). Sempre mudavam de casa até chegarem, aos trancos e barrancos, ao lugar onde se fixaram no final dos anos 1970 munidos de arcos, flechas, e mais tarde, até espingardas que os igualavam à força invasora.

Essa vida de palestinos entre o vizinho estado e o extinto território federal de Rondônia será daqui para a frente mostrada aos visitantes do Centro Cultural Wagôh Pakob*, coberto de palha inajá, situado após o Rio Guapó, na linha 9, Km 45, de Cacoal. O Centro será reaberto no segundo semestre deste ano.

Paiter significa “povo verdadeiro”. “Por mais diferentes que sejamos e por mais que tivéssemos realidade do passado, hoje nos vemos como irmãos”, diz o diretor do Centro, Gasodah Suruí, 42 anos, filho de uma geração de caciques.

Ele conta que no contato os índios eram vistos pintados com iori (tatuagem permanente feita de jenipapo), daí alguém pronunciou suruí erroneamente e o apelido pegou.

Gasodah se orgulha do lugar: “Queremos servir água de poço artesiano aos visitantes e contar a eles que o nosso trabalho com o café (vendido a uma empresa de Minas Gerais e exportado para a Suíça) vem da divisão de aldeias”.

Retirados os invasores que ali estavam desde meados dos anos 1970, os indígenas encontraram café por todo lado e foram percebendo que não viveriam sem dinheiro. “O capital nos cercava”, brinca Gasodah.  Os Paiter Suruí são hoje 1,9 mil indivíduos, nascem bebês em todas as aldeias, e isso dá ao município um forte componente etnicosocial aos seus 86,4 mil habitantes.

Gasodah tem outro nome: Wawaeitxapoh, dado em ritual pelo pajé Noá, pai de Itabira Suruí. “Livre de doenças, tenho para mim que esse nome é muito significativo; ele me curou com orientação divina”, diz.

Manganogan, mãe de Gasodah, deu à luz a cinco filhos do clã Kaban e a todos ensinou o banho de ervas com o cipó moratapó colhido pela família. “A água aquecida na fogueira para o banho, o chá amargo, até antes da pandemia (covid-19) a gente vinha fazendo, mas precisamos do socorro do hospital para superar o momento ruim; o etnoturismo parou”, relata Gasodah.

“Em 2016 eu notei que a cultura estava distante de nós, embora seja o mais importante para o ser humano, e ela não tem preço; foi então que os meus tios falecidos tios Ubajara e Raimundo juntaram meus irmãos, todos profissionais, e decidimos não morar mais na cidade”, conta.

Graduado em turismo e mestrando em geografia na Universidade Federal de Rondônia (Unir), Gasodah indagou: “No que vamos trabalhar? Reuniões, assembleia, e no final de 2016 saiu do jeito que eu planejava: 80 pessoas reunidas do jeito que eu queria, para valorizar a cultura e a saúde de todo.”

 

Terra Paiter Suruí – Centro Cultural Wagô Pakob

 

SEDUÇÃO DAS DROGAS E PROSTITUIÇÃO

Todos sofreram muito depois de 1969. Segundo Gasodah, foi como se ouvissem a frase: “Se vira, Paiter.” “Aprendemos então como tudo funciona no mundo “exterior”, e em 2000 conseguimos concluir o 1º diagnóstico territorial depois do contato, quando nosso povo estava cansado da exploração da madeira por brancos e até consentia negociá-la para suprir as necessidades deixadas pela própria Funai”, explica. O povo Paiter foi, em 2015, o primeiro do País a ter diagnóstico socioambiental elaborado pela Kanindé Etnoambiental.

Nas palavras do diretor do Centro Cultural, “a sedução veio não apenas pelo espelho, pelo facão, pelo machado, pelo açúcar e o sal, mas pela prostituição e por drogas”. Segundo relata e lamenta, “muitos largaram as mulheres para morar na cidade”. E reconhece: “Ainda bem que as lideranças jovens debateram a situação e reverteram tudo a tempo, e com isso veio o novo pensamento que fez surgir o novo Paiter

Foram os falecidos tios Ubajara e Narodah, vindos de Mato Grosso, que incentivaram a cultura cafeeira em terras antes conflagradas com colonos que adquiriam lotes fraudulentos de empresas colonizadoras. “Além do café, aqui eles também deixaram plantadas banana e laranja”, conta Gasodah. Ele o agente de saúde Luiz Suruí, seu irmão, plantarão mais de setecentas mudas abacaxi, além de incentivar o cultivo e extração da castanha e da pupunha, vendida a R$ 10 o quilo em Cacoal. Luiz possui 2,5 mil pés de café Conillon.

As 37 famílias de “índios agricultores” vendem atualmente sua produção para as cooperativas Coopaiter e Garah Itxa. Em sistema agrossilvopastoril orientado pela Emater-RO, Gasodah prevê mais cinco alqueires de reflorestamento em áreas de capoeira baixa. Ele próprio já plantou mudas de cerejeira e ipê.

Gasodah Surui

PAZ AMEAÇADA

Dengue, malária e tuberculose não tiravam o sossego, nem a vida de ninguém; muito menos se imaginava o avassalador coronavirus. Passadas cinco décadas, os Paiter Suruí se lembram da boa com saúde, das plantas medicinais e da fartura de alimentos naturais, entre eles, o mel de abelha, o cenário dos anos 1960 e do início dos anos 1970.

“Tinha época de patuá, uma fruta muito gostosa parecida com o sabor do Nescau, muito suco e cupuaçu. De abril até agosto, o clima era de festa”, relata Gaami Anine Suruí, nascido em Boa Vista do Pacarana [depois, Distrito de Espigão do Oeste], guerreiro nos anos 1976-1978 contra invasores da linha 7.

Anine hoje mora na linha 12, onde estão aproximadamente 50 indígenas. Outro guerreiro da década de 1970, Itabira está no Distrito de Rondolândia,

“(…) Nunca a liderança era mais importante que sua comunidade. O líder tinha que ter muita humildade, chamar o seu povo para comer junto a caça, a chicha. Mais ainda, quando havia festa, todos comiam juntos, no mesmo prato, a mesma comida, sem diferença.

Por isso o povo gostava de seus líderes, por sua humildade, bondade, generosidade. Ele sabia ser líder. Tudo isso eu vi, eu conheci enquanto eu crescia; a forma de vida do povo Paiter, antes da chegada do homem branco (yara).

O líder chamava para fazer a casa muito grande, com mais ou menos 40 metros de comprimento e oito metros de largura, e depois colocava cada grupo de sua família, o  cunhado, o irmão, seu pai, todos naquela casa. Na aldeia central existiam 80 casas. Havia outras aldeias espalhadas com quatro, cinco casas, outra com três casas, outras com duas. Havia muita festa, muita união, muita alegria. Não havia tristeza naquele momento. Os jovens namoravam, havia enfeites bonitos, muita pintura, dança, o pessoal se banhava no rio no melhor horário, num lugar muito limpo, arrumado, bonito, como se fosse uma praia.” A aldeia central ficava onde surgiu a cidade de Boa Vista do Pacarana, a 112 quilômetros de onde vivem desde meados dos anos 1970.

[Trecho do livro: Histórias do começo e do fim do mundo –O contato do povo Suruí, escrito por 17 indígenas das gerações mais antigas].

CANTO E DANÇA DE BOAS-VINDAS

Luiz Suruí puxa com a flauta e a dança as boas-vindas aos jornalistas. O canto se chama Wewanter (gratidão). O chocalho na perna direita dá o tom, o vistoso cocar e a bonita pintura mantêm a tradição. Ele tem cinco composições.

Com Luiz, as filhas Samily, 15 e Sanabria, 18, A primeira quer ser nutricionista, a segunda, enfermeira. São alunas do 9º ano na escola da aldeia.

Pai e filhas já se apresentaram no programa Sonora Brasil (do Sesc) em estados nordestinos, junto com representantes de outros sete povos indígenas. “Ficamos muito felizes, porque é a primeira vez que reconhecem e contemplam a cultura indígena”, ele comenta.

“MUITA TERRA PARA POUCO ÍNDIO”

Estudo feito por Hgaibiten Suruí para sua iniciação iniciação científica no Curso de Licenciatura Intercultural da Universidade Federal de Rondônia (Unir), o governo brasileiro designou o sertanista Francisco Meirelles como peça chave na tentativa de solucionar os conflitos na Amazônia.

“Em 7 de setembro de 1969, Meirelles chefiou a expedição que fez o primeiro contato oficial com os Paiter Suruí; a equipe foi composta, dentre outros sertanistas, por seu filho Apoena. A data serviu para batizar a futura Terra Indígena homologada somente em 1983.

“Mas a morosidade estatal se assentou na confluência entre a especulação imobiliária, o colapso dos modelos de assentamento colonial em Rondônia e a perspectiva política, especialmente da elite regional: “muita terra para pouco índio”.

“Em 21 de agosto de 1976, o jornal O Globo noticiava: Funai quer que o Exército leve paz para área indígena. A matéria contava que, pela primeira vez no País o Exército poderia atuar para pôr fim a uma disputa de terras entre índios e brancos. O então presidente da Funai, general Ismarth Araújo Oliveira, alegava que a atuação da Polícia Federal fora insuficiente para conter os ânimos dos posseiros instalados na área indígena.

 

Terra Paiter Suruí – Jornalista Adair Perin cheira a orsaya

________
* O projeto completo do Centro Cultural Wagôh Pakob tem a seguinte estrutura: dois grandes alojamentos prontos para com redários, telados e altos; a lab’ûp (maloquinha tradicional), também para alojamento; uma cabaninha individual; auditório (20 x 10m) para eventos diversos; cozinha com refeitório e banheiros masculino e feminino.

MONTEZUMA CRUZ / Com fotos de Oyapangawaron Suruí, Kim-Ir-Sen Pires Leal. Mapa da Wikipédia

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