França atua como volante do União Cacoalense no campeonato estadual
Em uma noite de 2018, Welilngton Wildy, o França, recebeu um ultimato: ou ele mudava de vida ou perderia a possibilidade de conviver diariamente com sua filha.
A séria conversa do jogador com sua esposa impactou diretamente no futuro e fez deixar pra trás um França que acumulou polêmicas e decepções por onde passou.
Aos 33 anos e defendendo a União Cacoalense, de Rondônia, o volante que despontou no Noroeste, de Bauru, e chegou a vestir a camisa do Palmeiras, em 2014, após uma rápida passagem pela Alemanha, se considera uma “nova criatura”.
Para chegar a esse estágio, porém, ele levou muitas porradas (algumas no sentido literal da palavra).
Nascido em um bairro periférico de Bauru, no interior de São Paulo, França não soube conviver com a fama de atuar em um grande clube. Aos 22 anos, foi emprestado pelo Hannover, da Alemanha, ao Palmeiras, e o que era pra ser a consolidação da carreira, virou o declínio.
– A gente que é jogador e vem de uma cidade, um bairro periférico e não tem uma estrutura familiar por trás, quando começa a trilhar a carreira no futebol e ganhar dinheiro, as coisas mudam. O pensamento começa a mudar, a vida muda. Acho que o que me atrapalhou na trajetória foi o sucesso, a fama, o dinheiro. Eu não soube lidar com tudo isso – afirmou França em entrevista ao ge.
Após um início discreto no Verdão, o volante foi ganhando a confiança do treinador Gilson Kleina. Na quarta partida com a camisa do clube, marcou seu primeiro (e único) gol. A partir dali, as aparições como titular foram naturais, e com ele em campo o Palmeiras acumulou uma sequência de quatro vitórias seguidas.
Mas as comemorações de França não se limitavam apenas ao campo. Ele sentia a necessidade de mais. E foi aí que ele perdeu o controle em algumas situações.
– (Álcool) foi um grande problema na minha vida, e acho que na vida de muitas pessoas também. O alcoolismo eu realmente tive. Bebia muito. Isso não condiz com a vida de atleta. Não tem como você beber e treinar, isso acaba atrapalhando muito sua carreira – relembrou.
Os atrasos e faltas nos treinos, as festas que incomodavam vizinhos no bairro da Pompéia, zona oeste de São Paulo, e os atritos com membros da comissão técnica e diretoria palmeirense fizeram a trajetória de França ser curta no clube. Após seis meses e dez jogos disputados, ele foi emprestado ao Figueirense, que estava na Série A do Brasileirão de 2014.
Pavio curto
Foi necessário apenas um mês para França passar por problemas no novo clube. Já em Santa Catarina, o jogador se envolveu em um acidente de trânsito, no qual seu carro capotou. Ele não cumpriu as recomendações passadas pelo Figueirense e ficou muito próximo de ter o contrato rescindido. Um pedido de desculpas à diretoria alvinegra o fez seguir.
Após o incidente, parecia que França mudaria sua postura e sua carreira se reergueria. Nos seis meses seguintes, não se envolveu em polêmicas extracampo, e os bons jogos fizeram com que o clube catarinense o contratasse de forma definitiva para 2015. Mas logo em fevereiro, uma confusão em uma boate fez tudo voltar à estaca zero.
– Eu tinha ganhado folga no Figueirense, estava com amigos em casa e fomos numa balada. Meus amigos acabaram se desentendendo com outras pessoas, e quando eu saí a polícia já estava lá. De uma forma bem feia, me pegaram querendo que eu passasse vergonha, porque eu não tinha feito nada. Fui pegar meu carro e pediram para eu colocar a mão na cabeça, e eu falei que não ia colocar porque eu não era bandido, nenhum marginal – contou.
– Foi algo que não entendi e eu não ia colocar a mão na cabeça, porque não sou bandido. Nessa, falaram que se eu desse mais um passo iriam atirar. E eles atiraram e aconteceu tudo isso. Falaram que eu desacatei eles, e tem até um vídeo que mostra tudo. Acho que os policiais foram exonerados por abuso de força – acrescentou.
Mesmo com o episódio, o então técnico da equipe, Argel Fucks, bancou a condição de titular de França no jogo do dia seguinte e ele seguiu normalmente na equipe. Entre maio e junho de 2015, o volante sofreu com lesões no joelho e só retornou em setembro. No meio de 2016, seu contrato foi rescindido após nova briga na rua.
A fama de “bad boy” fez França começar a rodar pelo Brasil em busca de afirmação. Depois de deixar o Figueirense, defendeu Londrina, Remo, Brusque, Boa Esporte, Inter de Limeira, Noroeste, Treze, Portuguesa Santista, Taubaté, Cascavel, União Cacoalense, Hope Internacional e Penapolense.
– O futebol é muita conversa entre clubes, então eles se falam na hora da contratação. E se não for um bom atleta onde você está, numa próxima transferência ou numa procura as referências não vão ser boas. E isso eu vi acontecer muito. Enfim… Isso é passado, hoje é uma nova vida, um novo França, uma nova criatura…
A nova criatura
Durante a entrevista de mais de 40 minutos, França fez questão de reiterar que atualmente vive uma nova vida e que as polêmicas e confusões ficaram no passado. Há cerca de sete anos, ele encontrou na religião uma maneira de se distanciar do álcool e da noite.
– No Boa Esporte eu ainda estava com esse problema de bebida e minha esposa, a Ingrid, chegou em casa, conversou comigo bem sério e falou que se eu não mudasse ela ia embora com a minha filha. Hoje eu tenho três filhos, naquele momento era só a Laura. Naquele dia eu falei que ia mudar minha vida, porque não poderia perder minha família, minha filha. A partir daquele dia não bebi mais, comecei minha caminhada com Cristo e graças a Deus estou até hoje. Sou muito grato à minha esposa – relatou.
Aos 33 anos e vivendo em Rondônia, França diz que não se arrepende do que fez, porque entende que se não fossem todos os deslizes, hoje não teria a vida em família que tem e nem a crença na religião.
Defendendo as cores do União Cacoalense, ele se mostra feliz e com o sonho vivo de voltar a defender um clube de maior expressão do futebol brasileiro.
– Hoje me sinto realizado, feliz por tudo que passei. De certa forma serve de testemunho, meninos novos que estão chegando agora. Feliz porque Deus tem me proporcionado muitas coisas. Tenho sonho de jogar uma Série B, C ou até a A do Paulistão. Mas entendo o momento de agora e tenho certeza que uma hora Deus começa a mover as coisas – afirmou.
– Uma boa parte da minha carreira só fui jogador. Hoje o atleta se cuida, alimentação, sono, ele está sempre 100% nos treinos. E aquele boleirão, que só quer a noite… Eu já tive essa experiência. Na maior parte da minha vida só fui jogador. Ganhava um salário muito bom e achava que jogar era uma coisa e tinha que viver minha vida. Hoje futebol não tem espaço para isso. Hoje ou você é atleta ou não consegue jogar mais – acrescentou.
Hoje também ficam as lembranças de ter jogado ao lado de Valdivia, quem ele considera o maior craque com quem atuou, e de ter vestido a camisa de um dos maiores campeões nacionais e o lamento em não ter tido uma mentalidade melhor no auge da carreira.
– Talvez se eu tivesse essa cabeça de hoje, eu estaria lá (no Palmeiras) ainda.
O início do ano para França tem sido produtivo. Após 14 jogos e dois gols pela Penapolense, na Série A4 do Campeonato Paulista, o volante disputou mais quatro partidas pelo Campeonato Rondoniense.
(G.E)