Porto Velho/RO – Após dois anos do assassinato do sertanista Apoena Meireles, o sentimento na Fundação Nacional do Índio (Funai) de Porto Velho é de muita saudade. Na tarde de sexta-feira, dia 6, os indígenas que estão alojados na sede da entidade realizaram um ritual e dançaram em homenagem ao sertanista. Acreditam até que as dificuldades financeiras que estão enfrentando não existiriam se Apoena estivesse entre eles e reclamam da justiça brasileira em não punir o responsável pelo assassinato.
As buscas pelo autor do crime foram suspensas há mais de um ano e o caso está parado porque o assassino, foragido, alcançou a maioridade. Na Vara da Infância e da Juventude não se obtém maiores detalhes sobre o processo.
Apoena Meireles era funcionário da Funai e foi morto com dois tiros no tórax, após reagir a um assalto, no interior de uma das agências do Banco do Brasil de Porto Velho, em 9 de outubro de 2004. Passado o choque, rumores e desconfianças, agora, os indígenas dizem que a única coisa que querem é que seja feita justiça.
O líder indígena Orlando Karitiana acredita que a morte de Apoena foi tratada com descaso. “A justiça brasileira nos decepciona muito, não foi feita justiça pela morte do Apoena, assim como para o assassinato de muitas outras lideranças”, diz. “No Brasil não tem justiça. Ela só existe para os ricos”, desabafa.
Sangue de índio
O sertanista Apoena Merireles era tido como um exemplo e tinha boa relação com indígenas de todas as etnias. Por eles brigava por melhores condições de vida e incentivava para que nunca esquecessem suas culturas e tradições. “Apoena vivia no meio dos índios porque gostava, não porque era preciso. Acho que tinha sangue de índio”, acredita Raimundo Nonato Karitiana.
Quando a Polícia Federal iniciou as investigações sobre a matança de 29 garimpeiros, na reserva Roosevelt, a 500 quilômetros de Porto Velho, em abril de 2004, Meireles foi até Juína, no Mato Grosso, conversar com o cacique cinta-larga Papai Grande. O líder indígena determinou aos demais chefes da etnia em Rondônia que atendessem o sertanista e o ajudassem a atenuar a crise entre índios e não-índios, gerada pela exploração de diamantes. O caso foi apenas um exemplo do respeito de que Apoena gozava junto aos povos indígenas.
Minérios
No dia em que foi assassinado, Apoena havia chegado de Brasília e deveria seguir para a reserva Roosevelt, em Espigão do Oeste, onde conversaria com os índios Cinta-largas para pedir que esperassem pela liberação do garimpo. Ele era um dos responsáveis pelo garimpo permanecer fechado. No local há uma grande jazida de diamantes onde 29 garimpeiros haviam sido executados em abril daquele ano. Por esses motivos cogitou-se na época do assassinato, que Apoena pudesse ter sido executado por um grupo interessado nos minérios e não latrocínio, como a polícia desvendou em seguida.
Assalto
O adolescente que atirou em Apoena, com 17 anos na época, ainda chegou a ser preso. Explicou que tentou assaltar o sertanista para conseguir dinheiro para comprar drogas. Era um jovem de classe média e todos ficaram estarrecidos com a banalidade pela qual o sertanista havia sido morto.
O jovem foi recolhido à Casa de Internação Provisória quatro dias após o crime, mas por ordem do juiz Ênio Salvador Vaz, da Vara da Infância e da Juventude da comarca de Porto Velho, foi transferido, no dia 23 do mesmo mês, para a Casa Família Roseta, instituição que atende dependentes químicos e fugiu no dia 27 de dezembro de 2004. Ele teria saído tranqüilamente pela porta lateral e corrido para o mato no fundo do terreno.
Divulgação
Uma das maiores dificuldades que a polícia encontrou na época foi o fato de não poder divulgar a foto do jovem por se tratar de um crime que ele cometeu quando ainda não havia atingido a maioridade. Nunca foi divulgado o retrato falado do menor e a polícia não tem idéia do paradeiro dele. O caso continua sem solução, uma triste constatação para os índios. “Brancos não imaginam o que representa a perda de Apoena para nós. Se estivesse aqui certamente estaríamos dançando por alguma coisa boa”, diz Orlando Karitiana.
Investigação
Conselheira da Associação de Defesa Etno-Ambiental Kanindé, Ivaneide Bandeira cobra uma “investigação mais aprofundada” sobre as causas da morte do sertanista Apoena Meireles. Ela considera que já se passaram dois anos do assassinato e as investigações ficaram restritas à hipótese de latrocínio. “O fato de Apoena estar envolvido na investigação sobre o garimpo ilegal de diamantes na Terra Indígena de Roosevelt deveria ter provocado um maior interesse pelas causas do assassinato. Ele detinha informações importantes e um dia antes de morrer disse, em uma reunião com o povo Suruí, que pretendia “desmontar as falcatruas” que existiam na Reserva Roosevelt”, afirmou.
Ivaneide Bandeira também cobra justiça para o matador, que fugiu de Rondônia, tomando rumo ignorado. “Não se pode descartar a hipótese de que atrás do assassino estivesse gente graúda com interesses na exploração de diamantes”, ressalta ela.
Dificuldades
Os indígenas de Rondônia e do Sul do Amazonas desencadearam uma serie de protestos na semana passada para pressionar o Governo Federal a liberar recursos para a Funai da Capital. A BR-230 foi bloqueada e a sede do órgão em Porto Velho ocupada por índios. As dívidas da Funai, que chegam à casa dos R$ 600 mil, impedem a produção agrícola nas aldeias. Desta forma, muitos povos têm passado por dificuldades.