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quarta-feira, dezembro 18, 2024

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Lutero teria vergonha de ser evangélico?

Lutero teria vergonha de ser evangélico?

 *Moisés Selva Santiago

Naquele distante 31 de outubro de 1517, o monge agostiniano Martinho Lutero propôs 95 teses que alteraram a história do cristianismo, principalmente com o surgimento dos chamados evangélicos. O que ele mais queria era que o cristianismo se alicerçasse nas Escrituras, na Fé e na Graça de Deus. Para isso, a leitura e o estudo da Bíblia deveriam andar de mãos dadas com o compromisso de fé e de vivência pessoal e coletiva sob a maravilhosa graça divina manifesta em Jesus.

Hoje, na grande parte de nossas igrejas não se lê nem se estuda a Bíblia, e com o povo ignorante, certos líderes aproveitam para se enriquecerem disseminando teologias, idiossincrasias e até “lavagem cerebral” nas pessoas. Sem conhecer as Escrituras, o povo transforma a fé em Deus em fé nos pastores, nos amuletos, imagens, lenços, fitas, orações fortes, desencapetamento ou feijões que acabam com a Covid. Assim, sem Bíblia e sem fé genuína em Deus, as pessoas não conseguem experimentar a graça e escolhem o caminho do extermínio de quem é diferente.

Infelizmente, a semelhança com o que aconteceu na Idade Média é imensa. Se neste momento Lutero e outros reformadores entrassem em alguns templos evangélicos veriam a forte influência de partidos políticos e de “mitos” defensores da intolerância. Veriam pessoas alimentadas dominicalmente por líderes que pregam racismo, misoginia, homofobia, negacionismo e ilusionismo de uma falsa prosperidade, metamorfoseando a igreja em curral ideológico e eleitoral – além de verem o Inimigo em cada segundo da vida, atribuindo a ele as escolhas e comportamentos pessoais, e negando as circunstâncias históricas e sociais.

E mais: sem o discernimento das Escrituras, sem a vivência da Fé e sem a submissão à Graça, muitos membros de igrejas nem percebem que lhes é oferecido esse misto de teologia insossa e rasa, de eclesiologia encastelada em si mesma, de violência contra tudo o que não for heteronormativo, de dependência do dinheiro público e de uma intencional superficialidade que reduz o trato de questões sociais emergentes a achismos a-históricos.

Quando eu era um jovem crente, não me deixaram entrar num templo evangélico porque eu usava barba. Recentemente, como idoso crente, um pastor me coagiu a não participar de uma reunião porque estavam presentes pessoas homoafetivas. E já fui veementemente criticado por ter um grande amigo babalorixá. Parece que nada mudou: milhares de pessoas continuam sem encontrar um templo que as aceite porque não são héteros, porque usam cabelo ou roupa fora do padrão imposto por algumas igrejas, porque votaram em outro candidato, porque possuem a cor da pele e o corpo diferente – ou porque desejam que a igreja seja o espaço afetivo ideal para a manifestação da Graça divina, lugar onde nem Lutero nem ninguém sinta vergonha de ser evangélico.

*Por Moisés Selva Santiago – Pastor, professor,  jornalista, escritor

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