Brasil precisará de 797 mil profissionais da área até 2025, mas forma apenas 53 mil por ano
A tecnologia da informação (TI) é considerada um dos setores fundamentais para todos os países que buscam se desenvolver economicamente, em um mundo cada vez mais guiado pelas análises de dados fornecidos por usuários e soluções computacionais para problemas complexos do cotidiano. Para o Brasil, a situação não é diferente, e a demanda por profissionais do setor deve crescer nos próximos anos. Contudo, hoje, a formação de especialistas na área já é insuficiente para os projetos de empresas públicas e privadas: de acordo com estudo da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais (Brasscom), realizado em 2021, o país terá uma demanda de 797 mil profissionais de TI até 2025, o que significa que precisaria formar 159,4 mil por ano. Hoje, no entanto, apenas 53 mil pessoas são qualificadas anualmente para trabalhar na área.
De acordo com pesquisa da consultoria especializada em recursos humanos Manpower Group de 2022, o Brasil aparece na nona colocação entre os países em que empregadores relataram dificuldades em preencher vagas no mercado de trabalho geral — 81% do total, acima da média mundial de 75% e dez pontos percentuais acima do resultado da mesma pesquisa em 2021. O setor de TI é o primeiro com mais demanda de vagas (40% das empresas precisam de contratações) e o segundo com mais dificuldade de preenchê-las (84%), atrás apenas do bancário (86%).
Assim, os projetos tendem a sofrer com a falta de pessoal qualificado. “Traz um atraso muito grande para as empresas que buscam mais competitividade no mercado, no que tange maior qualidade de entrega, atendimento e diminuição de custos. Efetivamente os projetos ficam engavetados e postergados”, comenta Milton Felipe Helfenstein, porta-voz da Envolti, empresa de sistemas da informação. “Já atrapalha o desenvolvimento de projetos muito necessários em diversos setores, porque a tecnologia digital tende a dominar tudo. Corremos o risco de ficar para trás”, alerta José Pastore, economista especializado no mercado de trabalho da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
A demanda da área tem crescido no mundo, levando a um mercado de trabalho aquecido em que empresas de diversos países competem pelos mesmos profissionais — para as brasileiras, isso significa ter que buscar contratações enquanto podem oferecer salários menores para os trabalhadores, em um fenômeno conhecido como “fuga de cérebros”. Enquanto o dólar continuar forte frente ao real, a balança deve pesar mais para o lado das empresas do exterior. Mesmo entre companhias nacionais, com a demanda alta, costuma-se ter uma rotatividade alta. “Em geral, a falta de profissional e alta demanda acabam resultando em salários maiores e um grande turnover na área. Na prática, as empresas trocam os profissionais entre elas”, relata Poyatos. Helfenstein, da Envolti, ressalta que sua empresa busca trabalhar muito a retenção de talentos para evitar esse cenário. “Sempre trabalhamos para driblar essa situação com a promoção de um ambiente que favoreça o crescimento profissional e o reconhecimento dos colaboradores. Contamos com políticas de retenção, processos de jovens aprendizes e investimento forte na área de gente e gestão”, diz.
Outra questão é a formação profissional, nem sempre adequada. Entre especialistas do setor ouvidos pela Jovem Pan, a preocupação maior é com as “soft skills”, as habilidades socioemocionais para que os profissionais saibam trabalhar em equipe e conduzir a realização de um projeto. “A mudança de maturidade profissional — em nossa área classificada como júnior, pleno e sênior, por exemplo — acaba acontecendo bem rápido do que de costume, o que em muitos casos resulta em uma classificação profissional pouco representativa. Além disso, a falta de experiência profissional resulta em muitos casos de demissão por falta de perfil profissional — este, por sua vez, não sabe trabalhar e colaborar em equipe, negociar com seus pares, comporta-se adequadamente em reuniões ou realizar apresentações profissionais. Falta a ele, portanto, habilidades interpessoais, ainda que as habilidades técnicas sejam sólidas o bastante”, avalia Poyatos.
Buscando soluções
Os especialistas são unânimes em apontar a educação como a única forma de solucionar o problema de fato. A integração entre empresas e instituições de ensino, sejam escolas ou universidades, aparece frequentemente entre as sugestões. “Podemos aumentar a interface entre empresa e escola, como algumas que já fazem convênios e repassam a demanda de que precisam. As escolas e universidades vão injetando profissionais de vários níveis de qualificação e recebendo profissionais de volta para aperfeiçoar, em uma espécie de requalificação permanente com as empresas”, projeta Pastore. Poyatos também cita a necessidade de que as formações sejam mais assertivas para as necessidades de mercado, e Helfenstein, de uma aproximação entre academia e mercado de trabalho que permita também o desenvolvimento das habilidades interpessoais.
Porém, a visão de mais longo prazo quanto à questão educacional é apresentada pela Brasscom. A associação diz ter a função de ajudar a trazer informações sobre o que as empresas buscam em termos de talento e apresenta projetos na área. “Uma das estratégias é fazer a inoculação de cursos híbridos de tecnologia em áreas de exatas, como engenharia, matemática e ciências, para ter formação dentro das universidades, principalmente em engenharia, na qual o contingente é bem maior, em busca de profissionais formados que têm aptidões em matemática e afinidade com as habilidades necessárias para atuação como programador”, cita Gallindo. Segundo ele, essa estratégia é chamada de ΣTCEM – a letra grega sigma (Σ) é uma referência ao somatório das áreas, e o T é de tecnologia.
Gallindo ainda cita outra parte do trabalho voltado à educação, feita para estudantes ainda no ensino médio. Como a reforma dessa etapa educacional aprovada em 2017 prevê itinerários formativos que vão além da Base Nacional Comum Curricular, para que os alunos possam escolher uma área para se aprofundar, a Brasscom trabalha para criar um itinerário em que um quinto seja voltado à tecnologia. “O objetivo é começar a encantar o aluno já a partir do primeiro ano e ajudar a aumentar a diversidade. Pretendemos atrair mais meninas, principalmente negras, que são mais vulneráveis, e meninos negros, para que consigam superar esse ‘interdito’ social e destravar um potencial enorme”, explica. “O mercado está se autorregulando, mas precisamos de mais escala nas instituições de ensino superior, tecnólogo ou bacharelado, e encantar os jovens”, acrescenta o presidente da Brasscom.
Segundo pesquisa da própria associação realizada em 2020, homens são 63% dos empregados no setor de tecnologia da informação e ocupam a maioria dos cargos bem remunerados, como diretores, coordenadores e analistas, enquanto mulheres são maioria apenas em áreas como administração e nos setores financeiros e de recursos humanos. Em relação ao recorte racial, o mesmo estudo informa que brancos ou amarelos são 57,4% dos trabalhadores do setor (21,3% mulheres, 36,1% homens); pretos, pardos e indígenas são 30,4%, (19,1% homens e 11,3% mulheres); 12,2% aparecem como não classificados. Como o próprio relatório aponta, uma vez que a população brasileira é majoritariamente feminina e preta, os dados mostram que há um acesso desproporcional ao mercado de trabalho para este grupo.
Por Luis Filipe Santos (Jovem Pan)