Para o MPF, é necessária a prestação de contas como forma de justiça à história e à memória desse povo
O Ministério Público Federal (MPF) quer a reparação histórica ao povo indígena Cinta Larga, em razão das graves violações aos direitos humanos sofridas pela etnia durante a chacina que ficou conhecida como Massacre do Paralelo 11, ocorrido em 1963, em uma região localizada entre os estados de Rondônia (RO) e Mato Grosso (MT). Estima-se que durante esse extermínio, cinco mil indígenas foram dizimados, entre crianças e adultos.
O órgão ministerial ajuizou ação civil pública contra a União, a Funai e a empresa Arruda Junqueira e Cia Ltda requerendo à Justiça Federal que determine medidas de reparação histórica consistentes no pagamento de indenização de, no mínimo, R$ 1 milhão, pelos danos causados aos Cinta Larga, e a publicação de matérias e de acervo que contem a história do que esse povo sofreu nos anos 1960, principalmente em razão do Massacre do Paralelo 11.
Na ação, o MPF argumenta que o povo Cinta Larga, desde o seu primeiro contato com o não índio, vem sofrendo ataques à sua dignidade, sendo necessário promover, ao menos, a restauração da memória, tornando conhecidos os feitos atrozes que esse povo já sofreu, sobretudo com relação aos atos expostos no referido massacre. A intenção, segundo o órgão, é formar uma consciência social como meio de evitar que a história se repita.
Comissão de Inquérito – As graves violações ocorridas no Massacre Paralelo 11 foram objeto de apuração pela Comissão de Inquérito Administrativo instituída pela Portaria nº 239/67, do Ministério do Interior, presidida por Jader Figueiredo. O objetivo inicial da comissão foi apurar falhas na atuação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), órgão da União, criado em 1910, por meio do Decreto nº 8.072/1910, para prestar assistência aos indígenas, velar pelos seus direitos e evitar a invasão de terras indígenas.
Com a comissão instalada em 3 de novembro de 1967, Figueiredo e sua equipe teriam percorrido mais de 16 mil quilômetros pelo país, visitando mais de 130 postos indígenas, levantando provas testemunhais e documentais. O trabalho da Comissão de Inquérito ficou conhecido como Relatório Figueiredo, totalizando 20 volumes principais, com 4.942 folhas, mais 6 volumes de anexos, com 550 folhas, estando atualmente disponíveis, em sua grande parte, no sítio eletrônico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Relatório Figueiredo – Concluída a instrução dos autos da Comissão, em março de 1968, o seu presidente apresentou as conclusões da investigação ao Ministério do Interior, das quais se extrai: “O índio, razão de ser do SPI, tornou-se vítima de verdadeiros celerados, que lhe impuseram um regime de escravidão e lhe negaram um mínimo de condições de vida compatível com a dignidade da pessoa humana”.
“É espantoso que existe na estrutura administrativa do país repartição que haja descido a tão baixos padrões de decência. E que haja funcionários públicos, cuja bestialidade tenha atingido tais requintes de perversidade. Venderam-se crianças indefesas para servir aos instintos de indivíduos desumanos. Torturas contra crianças e adultos, em monstruosos e lentos suplícios, a título de ministrar justiça”, narrou Figueiredo no relatório.
Inquérito civil – Em razão de equívoco com as datas, acreditou-se que o Relatório Figueiredo havia sido perdido em incêndio no prédio do Ministério da Agricultura no ano de 1967. No entanto, ele foi encontrado em 2012, por membro da Comissão Nacional da Verdade (CNV) em caixas localizadas no Museu do Índio, no Rio de Janeiro.
Após a notícia de localização desse documento, o MPF instaurou o Inquérito Civil nº 1.31.000.001656/2015-11, no 1º Ofício da Procuradoria da República no Município de Vilhena (RO), com a finalidade de apurar os fatos conhecidos como Massacre do Paralelo 11. A instauração do procedimento naquela unidade ministerial considera o fato de o povo Cinta Larga habitar, em grande número, as terras indígenas Roosevelt e Parque do Aripuanã, situadas no território jurisdicional desta Subseção Judiciária de Vilhena (RO).
Conclusões do MPF – Nesse procedimento apuratório, o MPF concluiu que são evidentes os danos morais coletivos sofridos pelo Povo Cinta Larga em razão de condutas da União, por meio do SPI – sucedido pela Funai –, em relação ao chamado Massacre do Paralelo 11, em que pessoas contratadas pela empresa Arruda Junqueira e CIA Ltda teriam tirado a vida de inúmeros indígenas com o fim de afastá-los de suas terras para posterior exploração da área.
Para o MPF, os fatos narrados dão ensejo ao reconhecimento de ofensa aos direitos fundamentais dos Povo Cinta Larga, tendo em vista o sentimento geral do grupo quanto às violações causadas. Esses direitos, segundo o MPF, gravitam em torno da dignidade da pessoa humana, amparada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966, Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) e Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
O MPF defende na ação que embora os fatos tenham ocorrido há bastante tempo, é necessária a prestação de contas pelos responsáveis pelos danos causados, como forma de justiça à história e à memória do povo Cinta Larga.
(Fonte: ASCOM-Assessoria de Comunicação
Ministério Público Federal em Rondônia)