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quarta-feira, dezembro 18, 2024

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TO SIR, WITH LOVE (I)

Há um século nascia Euro Tourinho, um mestre na arte de dialogar, ensinar e de viver

Mais que um exercício profissional, o jornal era uma paixão diária do seu diretor, Euro Tourinho

 

Por Lúcio Albuquerque, repórter

Sidney Poitier, primeiro negro a ganhar o Oscar pela intepretação no filme “Sem saída”, em 1988, mas bem que poderia ter ganho em 1967 com “Ao Mestre com Carinho”, ou com “Adivinhe quem vem para o Jantar”, lançado no mesmo ano, três meses depois. Poitier morreu este mês, mas certamente as bandeiras – contra o racismo – levantadas por ele nos dois últimos filmes citados são a marca mais forte e seu trabalho.

Neste dia 17, se vivo fosse, o jornalista Euro Tourinho, falecido em 2019 aos 98 anos, estaria completando nesta segunda-feira um século de vida, e muito do que deu de si a favor de Rondônia, criando, através do jornal Alto Madeira, uma esteira enorme de atos que o levaram a ser chamado “mestre”, por profissionais da imprensa, ou de outros segmentos profissionais.

Trabalhei quase 20 anos com o Euro e, sem desmerecer nenhum dos muitos editores e chefes de redação que tive, e não só de Rondônia, posso afirmar sem qualquer medo de errar que o Euro foi o melhor de todos. Não sei quantas vezes Autoridades, que faziam questão de posar de “democratas”, pediram a “minha cabeça”, alguns por escrito ou através de assessores, o euro chamava, mostrava o pedido e usava a seguir aquele chavão que nós, antigos, conhecemos bem: “Bota na cesta página”,  local onde iam os textos mal escritos: o lixo.

Durante duas décadas pude conversar fora dos assuntos do jornal com o Euro, “bebia da boa fonte da nossa história” como nós (eu, o Francisco Matias e o Anísio Goraieb, os dois últimos falecidos ano passado) costumávamos dizer. Talvez tenha sido o Euro quem mais me influenciou no interesse pela história de Rondônia – como fizeram os historiadores Esron Menezes e Abnael Silva.

Dentro da atividade do Alto Madeira, jornal que funcionou de 1917 a 2017, sendo que desses 100 anos mais de 60 tiveram a participação direta do Euro na direção, tenho certeza de que todos que trabalharam com ele, e até quem não trabalhou diretamente como o jornalista Montezuma Cruz, podem afiançar: O Euro não era só um diretor. Em minha opinião era mais um colega de redação, mais rodado que qualquer um de nós, acostumado a dialogar, explicar e, muitas vezes concordar, sobre um ou outro /tema de matéria a ser publicada.

O site expressãorondonia.com.br inicia hoje, ouvindo várias pessoas que de uma ou outra forma tiveram com Euro Tourinho uma parcela de suas vidas.

 

O CENTENÁRIO DE UM ARAUTO 

Júlio Olivar, jornalista, historiador, escritor, membro da Academia Rondoniense de Letras

O que dizer de Euro Tourinho? Sua trajetória longeva o justifica. Ele foi o dono do seu tempo e o viveu intensamente, com alegria e emoção. Caberia um filme. Por ora, há livros, trabalhos acadêmicos e outros textos apaixonados alusivos à saga do pantaneiro de Corumbá (MS) que se fez homem da Amazônia, enfronhado em Porto Velho.

Ah, além dos escritos sobre Euro, ele também inspirou nas belas artes. O pintor Mikeliton Alves, por exemplo, o pincelou num belíssimo e iconográfico óleo sobre tela presente em diversas exposições. Ainda bem que foi em vida, e Euro ficou feliz em ver-se estampado.

“Euro Tourinho, a Samaúma da Imprensa Amazônica” é o título do livro escrito pelo notável intelectual Silvio Persivo para festejar os 95 anos do mestre, em 2017. Uma ótima definição: samaúma. A árvore rainha caraterizada simbolicamente pela generosidade de guardar e distribuir água para outras espécies, além da sua grandeza e imponência. Euro era pequeno em estatura. Mas, o maior que houve em atitudes e ideais, jamais passou desapercebido e não ignorou a ninguém; foi amigo dos artistas, dos cidadãos comuns.

Viveu em seringal perto de Jaci-Paraná, no ápice do segundo Ciclo da Borracha, transferiu-se para a extinta cidade de Santo Antônio do Rio Madeira, incorporada a Porto Velho em 1945, ouvindo e vivendo histórias; presenciou até a chegada do primeiro aparelho de rádio a estas paragens. E confessou-se arrebatado pela comunicação que vinha chiada de longe.

Hoje, 17 de janeiro de 2022, ele  comemoraria, literalmente — festeiro que era! —, o seu centenário natalício. Euro era boêmio, pé de valsa, carnavalesco, com suas roupas cheias de personalidade que encantavam os que têm olhos de bardo. Sua compleição física mirrada era o contraponto da sua grandeza existencial, pródigo em memórias afetivas e na  arte de construir laços de amizades. Amou e foi muito amado em família e na sociedade.

Carismático, leal, culto e humilde são predicados bastante utilizados para definir aquele que definia a si mesmo como “apenas mais um”, conforme seu depoimento ao Museu de Gente. Foi e catalisou muitas vidas, registrando-as nas páginas do seu jornal. Foram mais de seis décadas dadas ao jornalismo, testemunhando, interagindo, erguendo bandeiras  e escrevendo histórias.

Não é possível traduzir em alguns parágrafos o que fora. Euro, afinal, tornou-se muitas poesias para caber em uma prosa. Transcendeu o papel de jornalista à medida em que se fez personagem, desde as suas indumentárias ao uso de objetos icônicos como a máquina de escrever verde que ele usou até o fim, alheio às modernidades. O clássico não morre e nem sai de moda.

Falar do que Euro fez enquanto escriba é repetir-se. Todos que sabem a história da imprensa rondoniense reiteram seus méritos. Foi ele um braço do que se fazia de mais ousado no jornalismo da América do Sul, considerando que o jornal Alto Madeira compunha a rede dos Diários Associados, presidida por Assis Chateaubriand, o famoso “Rei do Brasil” (definição de Fernando Moraes). Euro e Assis estiveram juntos. Cada qual com o seu código de ética. Nos últimos tempos, já nonagenário, continuou lúcido e afinado, extremamente bem informado, embora avesso à internet.

Euro começou como uma espécie de “foca”. Fez coluna social e pequenas notas no jornal impresso com linotipos. Até tornar-se editor e dono do AM, já nos tempos do offset. É sabido que seu texto era elegante e que sua visão de editorialista e editor estava muito acima do tipo de jornalismo que se fazia nas províncias, mesmo com todas as dificuldades financeiras e logísticas para se concluir um jornal nos confins do mundo. Era bom porque resultava da soma da alma de quem nasceu nos seringais e a cultura que este adquiriu com a observação aguçada e a vivência amazônica. Foi, de fato, um desbravador, uma mente tenaz e um inteligente incontestável.

Euro esteve presente nos momentos cruciais da história, em epílogos interessantes como a inauguração da BR-364, em 1960, pelo então presidente JK.  Esteve dentro do poder sem afetar-se por ele. Foi porta-voz da sociedade e de todas as suas contradições  para que os governantes a entendessem fora do seus castelos imaginários. Não deixou de ser humano, não fazendo a mínima questão de adulações, cuidando bem do que lhe alimentava o corpo, a alma e o espírito. Sorriu sempre, abraçou a todos e foi capaz de manter suas opiniões sem ferir às dos outros. Viveu, pois, sendo um exemplo de vida-boa, ao som de chorinhos, bebericando na confraria Buraco do Candiru cercado de gente que lhe queria bem.

Euro Tourinho já é nome de rua. Merece estátua, merece odes, música e aplausos. Viva o Euro! As lendas não morrem.

 

Duas gerações diferentes, a mesma paixão pelo jornalismo e pela história. Para Júlio Olivar “O Euro foi o dono do seu tempo e o viveu intensamente, com alegria e emoção.

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