Costa Marques – O maranhense Bernardo José Pereira trabalhou em defesa da natureza desde criança. Dedicou tempo, dinheiro e sonhos ao que ele chama de “uma espécie de Deus”. Hoje, com 58 anos de idade, ainda vive em função do meio ambiente. Mora no Parque Ecológico Lagoa Azul, localizado a 2 quilômetros da cidade de Costa Marques. Na área, de 5 hectares, Seu Bernardo, como é conhecido na região, plantou 60 mil árvores. Entre as espécies de plantas cultivadas por ele, há desde flores, como a menor orquídea do mundo, a variedades de madeiras nobres, como o mogno. Leia entrevista abaixo.
Amazônia a Vista : Desde quando o Sr. descobriu esta paixão pela natureza?
Seu Bernardo: Tudo começou aos cinco anos de idade. Eu descobri a maravilha que é a natureza, que vida e natureza são a mesma coisa, ou seja, não existe vida fora da natureza, portanto qualquer dano contra a natureza atenta diretamente contra a vida.
Amazônia a Vista: Qual seu grau de instrução?
Seu Bernardo : Sou autodidata. Nunca freqüentei escola, mesmo assim consegui fazer vários cursos, como o de eletrônica, de panificação e de botânica. Hoje trabalho como artesão, mas na verdade sou ambientalista. Alguns me chamam de ecologista, porque sou estudioso das plantas, mas ser ambientalista vai além de um simples estudo sobre plantas. É preciso amar a vida acima de tudo e isso não se aprende na escola. É um dom de nascença.
Amazônia a Vista : O Sr. tem preferência por algum partido político?
Seu Bernardo : Não. Minha política é exclusivamente ambiental.
Amazônia a Vista: Tem religião?
Seu Bernardo : Sim. Amo, adoro, respeito a natureza religiosamente. A natureza representa para mim uma espécie de Deus, ou pelo menos a legítima representante de Deus aqui no planeta terra. Está relacionada diretamente com a vida. Amar, respeitar e proteger a natureza é a minha religião.
Amazônia a Vista : O Sr. dedicou sua vida à preservação da natureza?
Seu Bernardo : Sim, dediquei e dedicaria 10 vidas se eu as tivesse.
Amazônia a Vista : Soube que o Sr. ganhou bastante dinheiro com seu trabalho nas oficinas.
Seu Bernardo : Ganhei mais ou menos 1 milhão de reais nos valores de hoje.
Amazônia a Vista : Onde está este dinheiro?
Seu Bernardo : Gastei tudo produzindo mudas, apagando incêndios, plantando árvores, pesquisando alternativas de desenvolvimento sustentado, viajando, buscando e repassando conhecimentos para um desenvolvimento menos predatório do que este, imposto pelas políticas públicas.
Amazônia a Vista : O Sr. tem alguma propriedade?
Seu Bernardo : Tudo que tenho é esta chácara. Plantei aqui 60 mil plantas. Este local abriga uma das maiores biodiversidades plantadas do Brasil. Infelizmente boa parte das plantas, principalmente as mais raras e sensíveis estão sendo destruídas pelo fogo, invasão de gado, poluição externa e falta de recursos.
Amazônia a Vista: Que tipo de trabalho já foi desenvolvido aqui?
Seu Bernardo : Montei viveiros de plantas, produzi mudas, fiz acordos com madeireiros, com o Ibama e conseguimos devolver à natureza 22 milhões de mudas. Se não deu certo a culpa não foi minha. Os responsáveis pelas árvores plantadas não as protegeram e as áreas reflorestadas viraram pastagens. Até quatro anos atrás eu mantinha quatro funcionários aqui. Juntos mantinhamos os viveiros, apagávamos incêndios nas florestas, colhíamos sementes, juntávamos lixo. Foram 20 anos fazendo este trabalho aqui em Costa Marques.
Amazônia a Vista: De onde vinham os recursos usados na manutenção da chácara?
Seu Bernardo : Aqui existia um rio limpo, onde corria água o ano inteiro. Estruturei a chácara e a usava como balneário. Com o dinheiro das mudas e das polpas de frutas que vendíamos dava para ir conciliando, sem muitos problemas. Tenho também uma área de terra conhecida como Parque das Orquídeas. Já dei entrada no Ibama, pedindo o reconhecimento dela como RPPN -Reserva Particular do Patrimônio Natural. Lá construí trilhas onde eu já explorava o ecoturismo, levando turistas, pesquisadores e alunos da Unir e de outras universidades.
Amazônia a Vista : E hoje, de onde vem os recursos?
Seu Bernardo : Bem, o nosso rio foi assassinado. Jogaram porcos e gado nas nascentes. Lutei 10 anos, mas não consegui que ninguém fizesse nada. O rio está morto igual ao Rio Tietê. Construí uma piscina, trouxe luz elétrica, mas não tive dinheiro para terminar a estrutura, como você está vendo. Nas trilhas ecológicas onde eu ganhava alguns trocados estou impedido de entrar.
Amazônia a Vista : Com que recursos o Sr. mantém sua família?
Seu Bernardo : Estou vivendo de artesanatos e das polpas de frutas produzidas aqui, que vendo para os colégios e para a Prefeitura.
Amazônia a Vista : Porque o Sr. não pode entrar na futura RPPN?
Seu Bernardo : Você sabe que atrás de um ambientalista existe sempre um fazendeiro cheio de razão. Um destes achou por bem fechar a passagem, já que a reserva está na fundiária, mas a Justiça está cuidando disso.
Amazônia a Vista : O seu trabalho já foi notícia no mundo inteiro. O Sr. nunca conseguiu um projeto para apoiá-lo nesta causa?
Seu Bernardo : Não, mesmo porque o Poder Público não apóia pessoa física e também não sou político. Minha política é única e exclusivamente ambiental. Não tiro uma única folha da natureza sem avaliar os prejuízos futuros para os seres vivos e a classe política não morre de amores por ambientalistas, nem pelo meio ambiente. Todos têm muita pressa em enriquecer.
Amazônia a Vista : Como estudioso e pesquisador de modelos de desenvolvimento sustentado, o que o Sr. acha deste modelo atual?
Seu Bernardo : Isso não é um modelo. É um desastre. Ninguém em sã consciência acredita que uma família possa viver, possa criar os filhos e educá-los, criando boi em quatro alqueires de terra, que é o que ela tem direito, dos 21 recebidos pelo INCRA.
Amazônia a Vista : O Sr. acha que é pouca terra?
Seu Bernardo : Não. A terra é o suficiente para uma família viver por várias gerações. O que está errado é o modelo. Ninguém vive apenas criando boi. Existem outras culturas. O Governo tem e pode elaborar projetos de zoneamento e identificação de aptidões para as culturas. Se no sul se produz uvas, aqui podemos produzir cupuaçu. Se em São Paulo se produz flores, aqui se produz açaí e assim por diante. Nossos produtos são apreciados no mundo todo. Só nos faltam políticas voltadas a este tipo de desenvolvimento.
Amazônia a Vista : Como o Sr. vê o desenvolvimento do setor madeireiro?
Seu Bernardo: Olha, peço para não opinar sobre este assunto. Peço também para não responder nada sobre desmatamento. Questão de segurança.
Amazônia a Vista : O Sr. sofre muita pressão?
Seu Bernardo : As vezes aparecem cartas anônimas, telefonemas com ameaças, mas já aprendi a conviver com isso. Acredito que essas coisas partem de pessoas desocupadas, porque quem tem o que fazer não faz este tipo de besteira.
Amazônia a Vista : O Sr. está satisfeito com a vida que escolheu?
Seu Bernardo : Sim. Faço o que gosto de fazer, moro num paraíso e nunca fiz nada do que me envergonhar. Já ganhei vários títulos de honra ao mérito pelo meu trabalho. Agora ganhei o título de cidadão honorário de Costa Marques, cidade que escolhi para viver e para desenvolver meu trabalho. Vivemos aqui num município bonito, com belezas naturais de sobra, como rios, praias, monumentos históricos, fauna e flora quase intocáveis, cidade de um povo ordeiro e pacato.
Amazônia a Vista : O Sr. construiu muitos inimigos ao longo de sua via de ambientalista?
Seu Bernardo : Não, mesmo porque meu trabalho consiste mais em educar. Não denuncio ninguém. Agora, existem pessoas inescrupulosas, que usam a força e a violência para conseguir o que querem, mas estas pessoas são logo identificadas pela sociedade, que as rejeita. São lixo dos piores.
Amazônia a Vista : O Sr. nunca pensou em parar?
Seu Bernardo : Ainda não. Gente como eu só para quando morre. Pretendo fazer tudo que ainda não fiz. Agora mesmo estou empenhado na criação de mais uma RPPN, que é um luxo. Você precisa conhecê-la.